Sua Majestade, O Bardo

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Valença, Bahia, Brazil
Escritor, autor do livro "Estrelas no Lago" (Salvador: Cia Valença Editorial, 2004) e coautor de "4 Ases e 1 Coringa" (Valença: Prisma, 2014). Graduado em Letras/Inglês pela UNEB Falando de mim em outra forma: "Aspetti, signorina, le diro con due parole chi son, Chi son, e che faccio, come vivo, vuole? Chi son? chi son? son un poeta. Che cosa faccio? scrivo. e come vivo? vivo."

segunda-feira, 16 de maio de 2016

15 anos essa tarde: 16 de Maio na UFBA



Hoje, 16 de maio de 2016, faz 15 anos que participei da Invasão da UFBA. O contexto? Estávamos nos anos finais da Era FHC e houve um escândalo político: alguns senadores tiveram acesso aos votos secretos no painel do Senado. Dentre eles, Toninho Malvadeza. A oposição baiana, de esquerda, estava exigindo sua cassação por quebra do decoro parlamentar. A Bahia era governado pelo carlismo e, sinceramente, não sabíamos por quanto tempo teríamos mudanças dentro do Palácio de Ondina.

Lembro-me bem, pois era (ainda) estudante de Jornalismo na FACOM-Ufba e estagiava na assessoria de imprensa do Sintsef (Sindicato dos Servidores Públicos Federais no Estado da Bahia). Era também filiado (como ainda sou) ao PT, o que me dava mais ânimo para ir a essa manifestações. 

O clima estava pegando fogo. No dia 10, houve uma manifestação. O Engraçado que tinha ido ver minha então namorada e de lá iria para o estágio. Não sei os servidores federais estavam em greve (creio que sim, devido a conjuntura neoliberal). Então vi uma manifestação no Campo Grande. Logo vi os dirigentes do Sintsef e fui escalado para fotografar a passeata. Mas essa não foi uma passeata qualquer - havia uma pequena cisão no comando. De um lado, o PC do B queria seguir o trajeto de sempre e terminar na Praça Municipal. Outro grupo queria fazer a manifestação em frente a casa de ACM, na Graça. Comunistas, Petistas, Trotskistas, Anarquistas (os antepassados no Black Blocs, com a cara escondida) discutiam em cima do Mini-Trio principal, até que os manifestantes que estavam na rua fizeram valer sua vontade e fizeram os carros de som mudarem de direção. O recado não seria dado ao prefeito-pau-mandado, mas ao próprio Cabeça Branca. Foi quando a tropa de choque trancou a passagem nos Aflitos. Depois de um momento de tensa e falsa trégua, a PM começou a lançar bombas para dispersar. Claro que a manifestação correu até a Praça da Piedade e de lá fez seu protesto. Quem pensou que isso iria amedrontar esses jovens se enganou.

A minha geração ainda foi criada ouvindo os ecos dos anos 1960, alguns se lembravam da redemocratização, carregávamos um pouco da chama do Impeachment de Collor. E o clima na cidade era que ainda precisávamos tirar um resto de entulho autoritário. Alguns, talvez trazia nos olhos uma nostalgia do passado e uma coisa no coração por não ter uma causa pelo qual lutar - não como foi a luta contra a Ditadura Militar ou o Maio de 1968 na França. Eu me sentia um pouco assim e muitos colegas de militância (no ardor do 20 e poucos) talvez pudessem está sentindo algo parecido. 

Foi por isso que no dia 16 de maio se armou "A Passeata". A organização fora "secreta" (?) e o trajeto só seria dito na hora. Lembro-me que minha turma de comunicação pegou um ônibus com demais manifestantes lá no campus de Ondina. Eu, fui a paisana como estudante e procurei fugir da turma do sindicato, porque queria está não a trabalho, mas por consciência própria. Então, na manhã, concentramo-nos na frente da Reitoria da UFBA. A jararaca começou a andar e logo no Campo Grande virou. Estávamos alegre, seguindo pelas ruas do Canela e voltamos para a UFBA. Era uma manhã ensolarada. A ideia era ir por dentro do campus do Canela e chegar no Largo da Graça. Vendo hoje, pergunto-me se fomos ingênuos ou tivemos excesso de autoconfiança para achar a PMBA não estaria lá, nos esperando - aliás, sabíamos que a UFBA, como área federal, não era juridição da PMBA e sim, da DPF. E assim foi. Durante o meio dia o Vale estava claramente dividido: de um lado do viaduto, toda a Tropa de Choque, os cavalarianos, blindados, K9. Do outros, estudantes, servidores públicos, políticos, professores. De novo a mesma tensa tranquilidade. Foi engraçado ver uma roda de capoeira no meio do viaduto, como a dizer: "paz, paz, estamos na Bahia!". Até que, no meio da tarde, manifestação avançou: havia uma liminar exigindo a retirada da PMBA do campus da UFBA e o compromisso da manifestação seguir para Barra. Quando o carro da Polícia Federal chegou, que alegria! E que cena inusitada: estudantes batendo palmas para (uma das) polícia! Alguns subiram até a Faculdade de Direito para comemorar. Foi quando a tempestade chegou de repente.

Covardemente, a PMBA começou  disparar contra os estudantes e o caos se implantou! As vidraças da faculdade foram destruídas por uma turba que procurava abrigo contra a arbitrariedade. Sangue. Fumaça. Calor. Guerra.

Mas quem esperava pegar os jovens desprevenidos se iludiu: a batalha se instalou no Vale. Claro que foi desigual: rojões, coquetéis molotovs e uma pequena barricada de fogo contra bombas de efeito moral e de gás lacrimogênio e bala de borracha. Mas todos aguerridos, ninguém disposto a arredar um milímetro ao adversário.

Eu fique observando tudo dentro da Escola de Administração. Pateticamente, ainda tentei avisar ao sindicato que eu não iria ao estágio, porque estava preso na manifestação, devido à ação da repressão... Mas resisti. Conseguir ir até a faculdade de educação, peguei uma nuvem de gás lacrimogênio. E de lá tentávamos continuar a luta. Só no final da tarde, os restos de manifestantes que ainda estavam por lá se reagrupou e fez uma passeata até a Câmara Municipal de Salvador. Eu ainda consegui ir à reunião do Conselho Universitário da UFBA, no qual forçou o então reitor Heonir Rocha (tido como amigo de ACM) a tomar uma decisão. 

Cheguei em casa quase meia-noite, mãe e namorada preocupadas comigo.

O resto é História: ACM renunciou e voltou eleito para o senado. Mas não ganhou assim. Morreu vendo seu candidato derrotado pelas mesmas forças que o combateram nesse 16 de maio.

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Valeu a pena? Algumas namoradas depois, não sei o que dizer dos dias de hoje. 02 anos depois desses eventos elegemos Lula presidente e 06, Jacques Wagner assumia o governo do estado. 13 anos depois, vejo jovens abraçando alienadamente a causa direitista e o PT ser alijado do governo da república via um golpe parlamentar. Pode dar uma sensação de melancolia, uma clima de "o sonho acabou". Mas quando os jovens que lutam contra o golpe, quando vejo que a Bahia ainda é governo pelo meu partido, fico com a sensação de dever cumprido - fiz a minha parte para que o meu país pudesse ser democrático!

Biblioteca do Bardo Celta (Leituras recomendadas)

  • Revista Iararana
  • Valenciando (antologia)
  • Valença: dos primódios a contemporaneidade (Edgard Oliveira)
  • A Sombra da Guerra (Augusto César Moutinho)
  • Coração na Boca (Rosângela Góes de Queiroz Figueiredo)
  • Pelo Amor... Pela Vida! (Mustafá Rosemberg de Souza)
  • Veredas do Amor (Ângelo Paraíso Martins)
  • Tinharé (Oscar Pinheiro)
  • Da Natureza e Limites do Poder Moderador (Conselheiro Zacarias de Gois e Vasconcelos)
  • Outras Moradas (Antologia)
  • Lunaris (Carlos Ribeiro)
  • Códigos do Silêncio (José Inácio V. de Melo)
  • Decifração de Abismos (José Inácio V. de Melo)
  • Microafetos (Wladimir Cazé)
  • Textorama (Patrick Brock)
  • Cantar de Mio Cid (Anônimo)
  • Fausto (Goëthe)
  • Sofrimentos do Jovem Werther (Goëthe)
  • Bhagavad Gita (Anônimo)
  • Mensagem (Fernando Pessoa)
  • Noite na Taverna/Macário (Álvares de Azevedo)
  • A Casa do Incesto (Anaïs Nin)
  • Delta de Vênus (Anaïs Nin)
  • Uma Espiã na Casa do Amor (Anaïs Nin)
  • Henry & June (Anaïs Nin)
  • Fire (Anaïs Nin)
  • Rubáiyát (Omar Khayyam)
  • 20.000 Léguas Submarinas (Jules Verne)
  • A Volta ao Mundo em 80 Dias (Jules Verne)
  • Manifesto Comunista (Marx & Engels)
  • Assim Falou Zaratustra (Nietzsche)
  • O Anticristo (Nietzsche)