Uma camisa vermelha como a Revolução
(Nostalgias das utopias)
Salvador, 19 de junho de 2015 (23h48)
Vi e comprei essa camisa em uma feira (não se era de "artesanatos internacionais" ou de "cultura estrangeira") no Shopping da Bahia (ex-Shopping Iguatemi). Eram várias - Espanha, Índia, Bolívia, Turquia, Na barraca da Rússia, anunciava-se as bonecas matrioskas (ok! deveria ter comprado uma), mas o que mais me encantou foi a memoriabilia da antiga União Soviética: broches e quepes do Exército Vermelho, cantis com broches evocando os Kolkhozes e Konsomol. Tinha coisas da Rússia atual? Tinha. Mas o que me encantava era o período em que Moscou era a referência (ainda que torta) para quem acreditava na utopia de se criar uma sociedade melhor, mais solidária e mais fraterna. E pensei amargamente se hoje ainda existe lugar para as utopias
Só que a história solapou essa utopia: Aquele que fora o primeiro país a se declarar socialista marxista acabou. Em seu lugar sugiram vários países capitalistas, no qual a Rússia se levanta com a sucessora da antiga força internacional (mas não dos sonhos). Dos poucos países que sobraram oficialmente socialistas, já não se existe mais esse elã ideológico. A China, que poderia sucedê-lo como nova pátria do socialismo, já abriu de mão (na prática) dessas doutrinas - e com ela puxou o pequeno e lendário Vietnam. Cuba resiste, mas os sinais de mudanças significativas no regime em breve se operaram. A Coréia do Norte é uma caricatura onde, sintomaticamente, o Juche tomou o lugar do marxismo-leninismo como religião de estado.
Nos demais países, a esquerda cambaleia, tentando tomar seu caminho. Ás vezes acerta, às vezes não. O Eurocomunismo não vingou como terceira alternativa. Pior, a "terceira via" que se surgiu no seio da socialdemocracia européia caminhou mais para direita, quase se tornando um social-neoliberalismo que condenou à morte o Estado de Bem-Estar Social. Antigos movimentos de libertação nacional, como o sankarismo em Burkina Faso, Lumumbismo no Congo Democrático ou o Sandinismo na Nicarágua perderam suas forças. A America do Sul, como parte do acerto de contas histórico, está ensaiando uma doutrina, um Socialismo do Século XXI, mas não se sabe ainda o que é - haja visto os diversos caminhos que se tem passado, ora mais ao centro como Kichnerismo, ora mais ao esquerda com o Bolivarianismo. E esse casamento de socialismo que se pretenda democrático e com liberdade tem se mostrado um parto difícil, principalmente pelas violentas reações da oposição conservadora interna. Mesmo quando se joga o jogo institucional (como no caso do Brasil), às vezes aparece esse desânimo e uma frustração com o ser humano - como se não vale-se mais a pena em lutar pelas mudanças, mesmo quando os frutos estão aí para quem quiser ver sem os antolhos da grande mídia.
Então, por que comprar essa camisa e pensar em utopias? Talvez porque ela ainda representa um sonho que nunca deve morrer. Vi a história acontecer com a queda do muro de Berlim, a estagflação e a onda neoliberal nos anos 90, a formação dos grandes blocos econômicos e alvorecer do fundamentalismo religioso provocando uma guerra de civilizações. E esse "admirável mundo novo" onde grassa o capitalismo selvagem, pretensamente liberal, não merece nenhum admiração. As crises constantes, a contestação de alguns direitos básicos, os problemas ambientais e o aprofundamento das desigualdades sociais mostram esmorecer no sonho é entregar o mundo a uma nova barbárie que não se pode admitir.
No entanto, existe uma luz nos fim do túnel dos céticos. As edições dos Fóruns Sociais Mundias, a eleição de Lula dando um novo alento; Chavez, Mujica, Bachelet e Morales reconfigurarem em vermelho a América do Sul; o surgimento e ascensão do Syriza na Grécia trouxeram um alento. E lembra que ainda existem muitos sonhos que precisam se tornar reais - nem que seja pela nostalgia de se acreditar em mundo melhor...