Amizade em Tempos de Radicalismo
Salvador, 22 de dezembro
de 2016 (23h38)
Querida ex-colega da FACOM
Hoje, enquanto acessava o Foicebook (Fernando Morais é
quem está certo!), o mesmo sugeria a ti como possível amiga. Lembrei-me dos
tempos em que fomos colegas no curso de Jornalismo da UFBA, de sua inteligência,
das conversas que tivemos no pós-aula – nós dois calouros: você atriz e
roqueira e eu um bicho do mato recém-chegado a capital e cheio de poemas na
sacola. A saudade bateu forte e a vontade era te adicionar. Mas não dava. È uma
pena Tive que declinar da ideia. Nesses tempos de Intolerância e Radicalismo
político, não dá para ter você como amiga de foicebook.
Desde o Twitter eu sei que você é uma antipetista e antiesquerdista
feroz. Na verdade, já na época da faculdade sabia que você não morria de amores
pela esquerda e no tempo do Orkut você admirava o cretino do Diogo Mainardi.
Nada de errado com isso. É a sua cabeça, suas convicções e eu a respeito por
isso. Da mesma forma que na minha cabeça eu prefiro o socialismo e desde meus
17 anos eu sou filiado a um partido de esquerda e não tenho (até agora)
pretensões de desfiliar-me dele. Não espero sua aprovação pelas minhas escolhas
(afinal, elas foram feitas antes nos conhecermos) nem quero ficar na posição de
avaliar as suas escolhas políticas. Contudo, sei que, no clima atual, é
complicado. Será que nós iriamos nos suportar na militância digital, cada um
postando mensagens políticas contrárias? E considerando que faz muito tempo que
não nos vemos pessoalmente, não deu para criar um muro afetivo que evite os
atritos ideológicos.
Penso nisso porque estamos em uma época de radicalismo e
intolerância política acentuada pela visibilidade do pensamento causado pela
internet. As redes sociais, elas parecem que tiraram as antigas travas morais
que as pessoas tinham no trato público e tem permitido expor claramente o que
as pessoas pensam. E aí, em lugar de pessoas cordatas e com bom senso, o semianonimato
e “liberdade” da internet têm mostrados pessoas mesquinhas, preconceituosas, monstros
sem máscaras. Vemos as pessoas destilando racismo, sexismo, xenofobia e LGBTQ+fobia
sem nenhum freio moral. É como se a internet transformassem Dr. Jekyll em Mr.
Hyde sociais, cada vez mais encastelado nos seus radicalismos e na intolerância.
E aí que vem a questão da amizade nas redes sociais.
Giorgio Agamben, ao retomar Aristóteles em seu ensaio “O Amigo”, fala da questão da alteridade.
Um amigo é o outro com quem se “com-divide”
a experiência da vida. E isso tem uma implicação não só existencial (torna a
experiência da vida mais doce) como política (no seu sentido filosófico mais
elevado). Politicamente, o amigo não é alguém quem pensa parecido, mas o outro
com quem dialoga – mesmo tendo pensamentos antagônicos. É sentir conjuntamente
a partilha da vida e assim procurar sínteses na pluralidade de ideias para uma
existência mais doce e eticamente melhor no mundo.
Por isso, minha querida ex-colega, entramos em um
impasse: a amizade precisa de um diálogo na pluralidade. Só que ela sobrevive a
erosão causada nas redes sociais? Até que pontos nós queremos manter a amizade,
queremos dividir nossa existência com pessoas cujo pensamento e a mensagem pode
ser tão contrárias às nossas crenças? Até quando aguentaremos ver repetidas
vezes a postagem eterna que destila a falta de diálogo? Como a intolerância
pode tornar doce a experiência compartilhada do viver? É uma tarefa difícil em
tempos de relacionamentos fluídos, minha querida… Não minto que de vez em
quanto tenho feito algumas faxinas nos meus perfis nas redes sociais, para tirar
os contactos daqueles que vejo que não há nenhuma possibilidade de diálogo
produtivo.
Por isso, minha amiga, em entrei no seu perfil no
foicebook e vi algumas de suas fotos – vi poucas atuais, muitos de seus
recortes de jornais. E fechei a aba do meu navegador, com o desejo de que
esteja tudo bem contigo. Lembrarei com carinhos das nossas conversas. Se
quiseres conversar sobre qualquer coisa que não seja política, a casa estará
aberta. Até lá, cada um siga gerenciando e postando o que bem entender nos seus
perfis.
Abraços