Disponível no site da revista "Verbo 21"
http://www.verbo21.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=412&Itemid=141
maio de 2009 | |
Vestígios Poéticos e Existenciais de Renata Belmonte
Ricardo Vidal*
Uma cama. Um vestido. Um livro. Três indícios de um sonho. Três flagrantes de uma vida. Três momentos que resumem os questionamentos da personagem-título de “Vestígios da Senhorita B”, o mais recente livro lançado por escritora Renata Belmonte pela coleção “Cartas Bahianas”. Mas quem será a misteriosa senhorita B, do qual se lê vestígios de poesia e existência? As 50 páginas do livro dentro da capa em formato de envelope contam a história da protagonista, conhecida apenas pelas letras “R” e “B”. A narrativa não-linear apresenta três capítulos soltos, em que a autora mergulha poeticamente na alma da personagem, devassando suas angustias e a dialética de amadurecimento, ao contrapor a busca pela afirmação da sua existência com a realidade cotidiana e prática. A história é narrada em primeira pessoa, o que leva a uma dúvida: seria a Senhorita B a própria Renata Belmonte? As letras que a identificam são as mesmas que compõe as iniciais da autora. A história também parece indicar flagrantes reais da vida da própria autora, tornando a obra numa espécie de ficção autobiográfica. Mas o livro vai mais além deste exercício. Os três instantâneos da vida da personagem conduzem o leitor pelos labirintos da existência humana e lança luz sobre questões mais profundas como solidão, sentimento de culpa e a busca da identidade. Renata Belmonte parecer retomar um pouco a questão de Jean Paul Sartre, de que a existência precede a essência: o ser humano é jogado na vida e depois molda sua personalidade ao longo de sua vida. E uma personalidade sensível como é a Senhorita B sabe que esta tarefa é difícil: há a dialética da vida, com seus meandros e armadilhas, com suas contradições que não admite conceitos absolutos. Pelo contrário, o ser humano aparece mesclado, onde anjos e demônios convivem numa mesma pessoa confusa. Assim, numa noite de São João perdida na infância, B experimenta a inocente crueldade infantil misturada com um sentimento de culpa. O amor não chegará puro na noite de debutante – deixará uma mácula para o resto da vida. Diante destes fatos que a senhorita B se constrói como ser humano, a “mulier sapiens” que reflete sobre suas fragilidades e ainda assim não deixa de sonhar – mesmo que o sonho seja efêmero. Mas a construção da identidade como mulher se dá em meio a tormentas. E este turbilhão de lembranças se reflete nas curvas no texto – este reinventa as palavras e redireciona a sintaxe, fazendo que o mesmo ganhe ares de poema em prosa – como se pode observar nas palavras iniciais do livro “Com a mala cheia de insultos, ela guardou as dores do mundo e vestiu um poema barato”. E os capítulos, apesar de seguirem uma ordem cronológica clara (infância, 15 anos, início da juventude), estão soltos, como se contos fossem (o que não seria estranho, considerando que os dois livros anteriores de Renata são de contos). Pode-se lê-lo fora da ordem, e ainda assim o resultado final é o mosaico do amadurecimento de B. Mosaico que se fecha com blog e no curta-metragem homônimos. “Vestígios da Senhorita B” é um livro cativante, poético e experimental que retrata a busca poética e existencial de uma jovem na busca de seu lugar no mundo. É a mesma busca que todos nós, seres humanos, fazemos e que também deixamos vestígios neste longo estradar da vida e que nunca se sabe a que destina…
*O autor mantém o blogue: www.bardocelta.blogspot.com |
Nenhum comentário:
Postar um comentário