SOPA, UM MICRO-CONTO
Valença, 18 de junho de 2012 (23h14)
Deixe-me ver: o conto poderia começar dizendo que estou sozinho em minha casa, numa noite fria de lua-nova. Para quem morar só a casa sempre é muito grande e silenciosa - por isso fica mais fria ainda. Não ligo. O frio eu tiro de letra com as meias de lã e uma calça domingueira. O silêncio é bom. Mas, por vias da dúvidas, coloco um CD de ópera preferido. La Bohème. Fico na cozinha bebendo chá de camomila enquanto preparo uma versão rústica da Vichyssoise (substituindo o alho-poró por alho comum e gengibre micrometricamente cortados, e a pimenta branca pela pimenta calabresa). Que Silvio Lancellotti me perdoe as adaptações que fiz a partir da receita pescada em seu livro, mas tive que levar min ha alquimia com os ingredientes disponíveis. Depois de despejar o último paralelepípedo da batata no caldo fumegante, olho para minha xícara de chá já quase vazia. Momento de tensão. Poderia fazer neste ensaio de conto uma metafísica da existência ou sintetizar a poética da luta de classes nesta xícara quase vazia. Noite fria. Chá. Solidão. Sopa de Batata. Lua Nova. Ópera. Esses são os ingredientes para um bom conto moderno. A ópera em si já ajuda a fazer o clima boêmio. Mas nada disso importa, pois a única coisa que o eu personagem pensa é: "será que a sopa vai ficar gostosa? Pois eu estou com uma fome da muléstia..." Fecham-se as cortinas....
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