(Des) Amparo 2013: O Milagre da Divisão da Cidade
A
festa em louvor a Nossa Senhora do Amparo, realizada em 2013 na cidade de
Valença, entrou para história. Não pela sua tradicional alegria e clima de
união que sempre a caracterizou. Entrou pelo motivo inverso – como a festa da
discórdia e da desunião, gerada pela intransigência do pároco e da omissão da
prefeitura. E o celeuma causado por essa polêmica pode causar a decadência de
um dos maiores marcos identitários e culturais de Valença.
Quiseram
forjar a celeuma em cima da (falta de) segurança causada pelas vendas de
bebidas em barracas e da desorganização dos vendedores ambulantes para se
justificar uma atitude equivocada. Ora, ninguém é imbecil de ser contra a
segurança e organização dos ambulantes para que a Festa do Amparo brilhe. Quem
ama essa cidade e luta para sua grandeza quer isso. O cerne da questão, no
entanto, é outro – cousa que o Sr. Padre Josival Lemos pareceu se recusar a
compreender e a prefeita não teve a devida sensibilidade para contemporizar.
Querendo
ou não algumas correntes (retrógradas) da Sancta Madre Igreja Católica
Apostólica, a festa do Amparo seguiu os rumos normais as grandes festas
populares: deixou de ser uma mera missa solene para se tornar num patrimônio
cultural e marco identitário para Valença. Surgida a mais de cem anos, animada
e alimentada pelo povo valenciano (operários, marítimos e magarefes) e com
tradições sedimentadas por décadas e décadas de história, a festa do Amparo
ganhou uma grandeza que transcende a sua condição de mero “evento religioso”
(como pretende os pretensos “verdadeiros” católicos). A festa é um momento
ímpar de confraternização e orgulho para o cidadão valenciano. Para os
valencianos que emigraram, esse pode ser o momento de visitar a cidade (e rever
os amigos e parentes que cá ficaram). Quem não pode vim, alegra-se em ver as
fotos pelas redes sociais. Para os católicos mais desgarrados, é o momento de
ir para igreja. E por que não dizer, também é a melhor ocasião para que as
pessoas mais humildes possam ganhar seu sustento, com o comércio que NATURALMENTE
aflora em torno dos eventos religiosos. Êxtase religioso e alegria sincera
caracterizam a festa, que é rica com suas tradições – como as barraquinhas com
petiscos (maçã-do-amor, batata-frita, cachorro-quente, etc.) e com
lembrancinhas. E isso não nenhuma “degeneração”! Pelo contrário, coisas
similares aconteceram em Bom Jesus da Lapa, com a Festa do Bonfim em Salvador e
com o “Ano Santo Xacobeo” em louvor ao apóstolo Santiago Maior na cidade galega
de Compostella. E lá as pessoas souberam aproveitar essa co-existência de
sagrado e profano não só para cimentar a identidade cultural da cidade como
para auferir lucros com o turismo. (para mais informações, ver o texto no
seguinte link: http://pelegrini.org/politica/24819)
Claro,
para um evento dessa magnitude, é natural, imperioso até que se procure
disciplinar e garantir sua segurança. È forçoso repetir que ninguém é favor da
desordem dentro da festa, pelo contrário! Isso é um anseio de toda comunidade
valenciana – até dos não católicos que respeitam e/ou também frequentam da
festa. O motivo de tantas críticas está NA FORMA como isso foi gerido nesse de
2013. Infelizmente, em lugar de se tentar uma solução consensual e pactuada, o
que ocorreu foi este festival de intransigência e soberba. A postura que o
padre-secretário (através da comissão organizadora) teve foi muita diferente do
que se espera de verdadeiro sacerdote de Jesus Cristo. Em lugar de respeitar as
tradições centenárias da cultura popular e atuar como elemento de concórdia e
harmonia, ele simplesmente quis sequestrar a festa e tratá-la como se fosse uma
invenção pessoal dele.
Os
dois argumentos centrais que justificavam a proposta “oficial” da igreja era
como se TODAS AS BARRACAS que se estabelecidas durante a festa SÓ VENDESSEM
BEBIDAS ALCOÓLICAS, o que provocavam o clima de insegurança e que elas
atrapalhavam o tráfego. Sobre o segundo argumento, bastava que a igreja e a
prefeitura organizassem áreas pré-determinadas e fiscalizassem. Quanto ao
primeiro, há de considerar é uma meia verdade. A maioria das barracas que s
estabelecem lá costuma vender petiscos e lanches. E para o caso das que
vendessem bebidas, que se pactuasse a venda – ou limitando à bebidas em latas e
criando um cinturão de lei seca. Em todo caso, se preservasse a tradição,
afinal é a maçã-do-amor e não a bebida que caracteriza a festa do Amparo. Que
se permitisse que as pessoas pudessem ganhar seu dinheiro honestamente,
vendendo as bolas de plásticos para as crianças e lanches para os demais
frequentadores. Que a festa continue a ter suas luzes e aromas para alegrar
aquele que se sobe a colina para louvar Nossa Senhora. Isso que todos querem!
Só
que não foi a postura do padre. Como se só tivesse lido o evangelho de
Maquiavel e o breviário do Cardeal Mazarino no seminário, aproveitou-se da
condição mundana de secretário para querer impor seus caprichos. E como
discípulo de Goebbels, usou do altar para semear o pecado capital da ira contra
seus críticos, acusando-o com a falácia de que só querem a bebida. Pobre padre…
Tivesse aprendido melhor as lições de Lucas 18,9-14 e de João 4, 1-15; e lido
com calma as críticas, veria que a maioria de seus críticos é de pessoas
honradas, esclarecidas e devotas que não estavam satisfeitas com a radicalidade
das medidas impostas. O que muitos queriam é uma festa viva, com a alegria de
louvar Nossa Senhora e depois comer sossegadamente sua maçã do amor, como
sempre se fez! O que muitos advogados, professores, engenheiros, intelectuais
(que criticaram as decisões do Sr. Josival Lemos) desejavam é uma festa
popular, não uma missa segregacionista para poucos fundamentalistas! Lamenta-se
que num altar de onde os padres Lino Trezzi e Edegar Silva proferiram tantas
perolas de sabedorias em suas homilias degenerou-se no palco de pregação de um
Jihad inclemente contra as pessoas… que apenas queriam o bem da festa, mas
discordaram do que se considerou um equívoco do padre! Se não houve humildade e
bom senso por parte do Altar, que a Prefeitura, no momento que foi acionada,
tivesse o equilíbrio laico de preservar as nossas tradições. Infelizmente, na
minha humilde opinião, pouco contemporizou para chancelar (na prática) os
descalabros do padre. Antes, quase lembrou a postura de um certo procurador
romano na Judéia, quando teve que escolher entre libertar um inocente e
Barrabás…
O
resultado foi uma festa fraca, triste e uma cidade dividida. Muitas pessoas que
costumavam ir às novenas e na festa se sentiram desmotivadas a comparecer (eu
mesmo não me senti desanimado a participar da festa e minha tristeza maior foi
minha mãe depois que o melhor era eu não ter ido para lá, pois teria passado
raiva). E pelos comentários nas redes sociais, a festa estava longe de ter o
brilho dos outros anos. Já não era mais a festa que reunia a cidade. Já não era
mais a festa onde se pregava a harmonia e união pela fé. Já não era mais a
festa de todo o povo valenciano. Já não havia mais o clima de acolhimento para
qualquer pessoa que quisesse comungar. Era uma missa elitizada para os
auto-proclamados “verdadeiros católicos”, muito diferente que se via nos outros
anos. Talvez, por ter se tornado uma festa vazia, houve a alegada
“tranqüilidade” – afinal, não havia realmente um povo lá, apenas a “turma” que
concordava com o pároco. E pela primeira vez, a festa do Amparo se tornou motivo
de discórdia e divisão na cidade. E mais, não estranharei que se continuar
assim, a igreja venha perder fiéis, insatisfeitos com atitudes extremadas e
fundamentalistas de um sacerdote(?) que deveria pregar a harmonia e a união. E
pergunto: é isso que quer Santa Madre Igreja Católica quer?
Pois
bem, a festa do Amparo de 2013 acabou (não obstante a polêmica continue, com
mais pessoas criticando a festa do que elogiando). Rogo que Nossa Senhora do
Amparo ilumine a próxima comissão organizadora e que o padre tenha a humildade
de refletir sobre as críticas feitas (embora eu não acredite muito quanto a
esse último ponto…) para que na próxima festa se chegue a um consenso em que se
garanta não só a tradição e a beleza da festa como a segurança e a organização da
festa. Espero que a prefeita ouça mais o povo e menos o seu secretário de
educação (que deveria ler o Sermão da Sexagésima), para que se garanta uma
festa popular e que continue sendo um motivo de orgulho e união da cidade. Caso
contrário, persistindo a intransigência e o capricho de um padre (que segundo
as hodiernas práticas, não costumam se eternizar em uma paróquia), corremos o
sério risco de que a festa do Amparo
perca seu caráter de festa que una os corações valencianos para ser uma
lembrança do passado, uma missa morta e invisível.
Ricardo
Vidal
Escritor
e Professor valenciano de nascimento e que ama apaixonadamente essa terra,
Especialista em Estudos Lingüísticos e Literários pela UFBA.
Especialista em Estudos Lingüísticos e Literários pela UFBA.
Valença, 16 de novembro de 2013
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