Elogio para Edgard
(Um discurso sobre a saudade)
Valença; 05 de junho
de 2014
O ano de
2014 foi especialmente triste para Valença. Por três vezes, novas estrelas
brilharam na constelação da imortalidade. Por três vezes, a saudade se fez
presente nos corações às margens do rio Una.
Em
Janeiro, a poetisa que imortalizou “A Decidida” em prosa e versos, a educadora que
se dedicou a forjar gerações e gerações de valencianos insignes, a primeira
presidenta de nossa academia e eterna confreira, Macária Andrade, abriu essa
senda. Sua memória estará sempre conosco, como mais adiante iremos falar nos
trabalhos de nosso sodalício. Contudo, se para uma perda tão grande o tempo
ainda não dera o devido remédio, em maio vimos nossa cidade perder mais dois
nomes.
Um foi
Washington, futebolista que jogou na seleção canarinho e cuja arte estava em
mostrar porque o esporte bretão encontrou nos trópicos sua pátria mais firme e
que, depois de longa doença, fora escalado na seleção celeste onde estão
jogando Garrincha, Nilton Santos, Dr. Sócrates e Leônidas da Silva. Já o outro
nome foi o do nosso confrade Edgard Otacílio da Silva Oliveira. E sobre ele
gostaria de dizer algumas singelas palavras.
Edgar
Oliveira, baiano de Santa Inês da safra de 1955, é o típico caso do valenciano
por adoção. Aqui chegou e aqui se encantou. Como ele mesmo me disse certa
feita: “Estou evoluindo: saí da Barra, para vim morar no Tento e por fim, na
zona rural”. Conforme se observa no seu próprio currículo lattes, depois de
trabalhar no Conjunto Petroquímico Presidente Vergas e no Terminal Químico de
Aratu, Edgard veio com a família para estudar Pedagogia no então
recém-inaugurado campus XV da UNEB.
Formou-se pedagogo e depois em Filosofia, sendo que, para o último, apresentou
o trabalho “Valença: sua história (conheça-te a ti mesmo)”. Mais tarde, na
FACE, fez a especialização em Gestão e Educação Ambiental, com o trabalho “A
cidade de Valença e o rio Una” e o mestrado profissionalizante em Teologia e
Educação Comunitária, cuja dissertação tem por título “Os Processos
Inquisitoriais e a Formação Cultural do Povo brasileiro”.
Como
educador, trabalhou em diversos colégios da cidade e na Faculdade de Ciências
Educacionais, no Núcleo de Pesquisa, Pós-Graduação e Extensão.
Mas o
seu nome entra para os anais da cultura valenciana como Historiador. Se, antes
dele, os livros que versam mais claramente sobre o passado de nossa cidade são
“A Sombra da Guerra”, de prof. Guto Moutinho; “Valença: Memórias de uma
cidade”, do nosso confrade Araken; o “Industrial Cidade de Valença: um surto de
industrialização na Bahia no século XIX”, de Waldir Freitas e a já esquecida
brochura de Prof. Brasílio Machado, “Notas Geográficas da Cidade de Valença”;
nosso confrade Egdard expande mais esse horizonte. Em 2006 sai sua magnum opus “Valença: dos primórdios à
contemporaneidade”. Livro que já chegou à terceira edição e que se tornou uma
das leituras obrigatórias de qualquer pessoa que ame Valença. Assim como o de
Araken, Edgard se aprofunda sobre a história de nossa cidade, caça todas as
informações disponíveis e traça um estudo amplo e completo sobre ela. Mas, na
prosa de Edgard, essa história nos é transmitida de um jeito sereno e doce. E
ricamente documentado em fotos e ilustrações. Ele traz informações curiosas,
como o fato de já a Câmara Municipal de Valença receber ordens para o envio de
mantimentos para Salvador, uma vez que a frota em que vinha a Corte Portuguesa
de Don João VIº iria aportar lá, enquanto fugia de Napoleão Bonaparte. Além
dessa obra, ele enriquece a historiografia valenciana com os trabalhos “CVI -
160 anos de uma profunda relação social com o povo de Valença”, “A História da
Igreja Nossa Senhora do Amparo” (em coautoria com nosso confrade Francisco
Neto) e, finalmente, “Serapuí: sua história, belezas e lendas”.
Sua
preocupação com a história e cultura de Valença não se limitou a livros. Também
se traduziu em ações. Nos últimos anos, estava articulando com o Instituto de
Radiodifusão Educativa da Bahia um documentário sobre os afundamentos dos
navios Itagiba e Arará, atacado pelo infame submarino alemão U-507. Da mesma
forma (juntamente com os confrades Mustafá e Galvão) que auxiliou Marcelo
Monteiro com informações cruciais para que esse escrevesse o “U-507, o
submarino que afundou o Brasil na Segundo Guerra Mundial”. E, igualmente, foi
um dos artífices para que esse ano pudesse vir a lume a coleção “Literatura do
Baixo Sul”.
No caso
da coleção, ela mostra claramente sua faceta generosa: generosa em dividir o
conhecimento, generosa em ajudar no progresso intelectual da cidade, generosa
em conversar com jovens.
Pessoalmente,
lembro-me da minha primeira conversa que tive com ele, durante uma das
primeiras edições da “Ocupação Cultural”. Ele comentou, com certo entusiasmo e
clara empatia, sobre alguns dos meus artigos que havia escrito anteriormente
sobre a História Valenciana. Mais tarde, no seu autógrafo a minha edição do
“Valença: dos primórdios para contemporaneidade”, deixou-me transparecer um
sutil desejo de que os estudos sobre o e a cultura valenciana não se limitassem
apenas a ele, mas que outras pessoas também se interessem em estuda-la com
afinco e tragam mais coisas novas para que todos possam ter acesso.
Nosso
confrade Edgard faleceu, infelizmente. Perdemos a chances de vermos mais outros
livros importantes que desvendem a nossa história. Mas, quando eu vejo antes
dele partir para o desconhecido, outros livros que se voltam sobre a história
de nossa região foram publicados (a exemplo do de Francisco Neto e o de Márcio Viera),
creio que ele sentiu que as sementes lançadas começaram a brotar. E, se
depender de nossa Academia, ele ainda irá frutificar mais e mais.
No mais,
só nos resta saudade de nosso confrade, agora, mais do nunca, um verdadeiro
Imortal. Evoé, Edgard, Evoé!