Lições de Abril: revolução
portuguesa e ditadura brasileira
Valença; 19 de abril
de 2014 (00h56)
Duas
datas em abril marcam profundamente a história política recente do Brasil e de
Portugal, e que, nesse ano de 2014, leva a muitas reflexões sobre a importância
de se construir uma democracia social e forte. Nessa sexta, dia 25, os
portugueses comemoram os 40 anos da Revolução dos Cravos. E no primeiro de
abril passados, os brasileiros relembraram os 50 anos do golpe que derrubou o
governo constitucional de João Goulart e implantou a Ditadura Militar.
Em
ambas as datas, a participação dos militares foi determinante para decidir o
futuro político da nação. Mas, se no Brasil, a ação dos generais e almirantes
levou a uma ditadura longeva e sanguinária; em Portugal aconteceu o inverso: o
Movimento das Forças Armadas (MFA), formados majoritariamente por capitães,
abriu o caminho para que o sol da democracia plural e republicana volta-se a
nascer nas terras lusitanas.
Dez
anos separam os dois fatos ocorridos. Em 1964, o crescente apoio popular para
as reformas de base proposta por Jango, para o avanço necessário de nossas
instituições democráticas encontrou forte resistência dos setores conservadores
da sociedade brasileira. Assim, contando com suporte financeiro dos Estados
Unidos, esses setores conspiraram com a nata do generalato e do almirantado
brasileiro para a derrubada do presidente. Em 31 de março ocorreu a
movimentação das tropas e no dia seguinte o Congresso Nacional declarou vaga a
presidência da república (diga-se de passagem, de forma ilegal, haja vista que
o presidente ainda se encontrava em território nacional). E, curiosamente, no
dia da mentira, os golpistas declaram vitoriosa a (pseudo) Revolução
“Redentora”. O resultado foram 25 anos de regime de exceção, com arrocho salarial,
suspenção dos direitos humanos mais elementares, torturas, mortes e exílio de
patriotas.
Já
em 1974, os portugueses encontravam-se em um momento de crise. As torturas e a perseguição
política, isolamento internacional, estagnação econômica e a guerra colonial na
África levavam ao enfraquecimento do Estado Novo salazarista (regime fascista
surgido em 1933, sucedendo a Ditatura Nacional surgida em 1926). Em resposta a
essa situações, capitães reunidos no MFA deslocaram suas tropas durante a
madrugada de 25 de abril para ocupar os pontos estratégicos de Lisboa. E durante
todo dia, quando a população soube do levante, também aderiu à causa dos militares.
Como sinal do caráter pacífico da revolução, passou-se a distribuir cravos
vermelhos para os soldados, que os levavam dentro dos canos das espingardas. O
governo ditatorial praticamente caiu sem resistência (exceto uma escaramuça por
parte da política, os demais setores da burocracia ditatorial aceitaram apáticos
à mudança de chefia da nação) e nos dois anos seguintes (conhecido como
“Período Revolucionário em Curso”), Portugal viveu um rico período de liberdade
e reorganização do Estado, com respeito a pluralidade ideológica. Houve a
adoção de políticas sociais e democráticas avançadas, que culminaram, dentre
outras coisas, no processo de independência em Angola, Moçambique, Guiné-Bissau,
Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Dois anos depois, com a entrega da
Constituição de 1976, os militares discretamente saíram da cena política,
retornando à condição constitucional de servidores públicos no setor da defesa
da república.
Diante
desses dois fatos históricos, salta aos olhos o contraste na atuação das duas
Forças Armadas. A doutrinação autoritária que os generais brasileiros
conduziram o Brasil para três décadas perdidas em avanços sociais, com o
sucateamento da educação, a falta de liberdade da ação sindical e a instalação
de clima de terrorismo de Estado, que resultou em torturas e mortes de
patriotas brasileiros que não concordaram com o regime de exceção. E sequelas
desse período ainda hoje nós sentirmos, não apenas com a dificuldade da instalação
das Comissões da Verdade (cuja apuração dos crimes cometidos pelo Estado visa à
necessária pacificação histórica da nossa sociedade). A falta de educação
política, aliados ao fisiologismo, à corrupção, ao personalismo ainda gracejam
como câncer no nosso cenário político, são os frutos que ainda colhemos devido à
Ditadura Militar.
Em
contrapartida, os militares portugueses perceberam que seu papel profissional de
servir na defesa do Estado implicava, em última análise, na defesa das
liberdades e do bem estar do povo. Destituiu uma ditadura, quando era
necessária, sem se apossar do poder para gerar outra quimera. No chamado
Período Revolucionário em Curso, tiveram a sabedoria de permitir que a
pluralidade ideológica voltasse a aflorar no seio da sociedade portuguesa,
permitindo que tanto conservadores de diversos matizes, democrata-cristãos,
liberais, socialistas e comunistas de todas as tendências pudessem participar
no processo da elaboração de uma nova norma constitucional. E, evitando cair na
tentação de monopolizar o poder, souberam sair de cena com serenidade, voltando
a cumprir sua função primária de defesa.
Essa é a grande lição que o Abril de 2014 deixa: A
democracia com justiça social ainda é o melhor regime que uma sociedade pode
viver e, como valor perene, deve ser preservado. Conquistas como a entrada de
Portugal na União Europeia e as atuais políticas sociais implantadas no Brasil
só foram possível durante os períodos em que Democracia floresceu nos dois
países. E mesmo que escândalos e crises possam ocorrer, devemos lutar para não
ocorra novas intervenções militares na vida política nacional. Tanto no Brasil
como em Portugal, o mais se precisa é de cravos vermelhos florindo em
abundância, para adornar e fortalecer a Democracia.
Ricardo Vidal
Escritor e Professor, especialista em Estudos Literários pela UFBA. Membro da Academia Valenciana de Educação, Letras e Artes.
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