A Sombra da Censura sobre
Valença
Ricardo
Vidal
Escritor e Professor, formado em Letras pela UNEB,
ex-estudante de Jornalismo pela UFBA
No sábado
passado, dia 25 de agosto, Valença testemunhou um acontecimento lamentável: a
rádio comunitária Rio Una FM 87,9 teve a programação suspensa por 24h por ordem
judicial, em decorrência de um processo movido por um dos candidatos a prefeito.
Não irei comentar as razões da suspensão ou a estratégia (infeliz) do
candidato, mas o perigo em si que este precedente abre contra a democracia em
Valença.
No artigo 5 da
“Constituição Cidadã” de 1988, dentre os direitos fundamentais garantidos pela República
Federativa do Brasil, encontra-se as liberdades de expressão do pensamento e “da
atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de
censura ou licença”. Em outras palavras, nossa pátria garante não só o livre
acesso à informação como a realização do livre debate de idéias. E isso é
essencial para cimentar a democracia: as ideologias e as estéticas devem se confrontar
dialeticamente para que a sociedade possa definir seus rumos. E para que isso
seja possível, os meios de comunicação precisam ser livres para agir
responsavelmente e exercer seu papel de forma digna. Esta liberdade deve ser
preservado com unhas e dentes principalmente no período eleitoral, em que toda a
população é chamada para opinar sobre os rumos que á sociedade irá seguir nos
próximos anos.
Qualquer
interferência e/ou ingerência que leve ao cerceamento desta liberdade implica em
retrocesso nos direitos mais fundamentais do ser humano. Deixo claro que não
irei defender abusos desta liberdade e reconheço que todo cidadão deve procurar
a justiça se sentir lesado em seu direito. Contudo, imagino que existam outros
mecanismos eficazes que poderiam ter sido utilizados, sem a necessidade de se
suspender do serviço de radiodifusão da “Rio Una FM”. Multas, direito de
resposta, advertências. Fechar a rádio, só em último caso e em situações gravemente
excepcionais – o que não foi o caso! Censurar uma rádio comunitária,
retirando-a do ar, lança sobre a sociedade valenciana uma das piores chagas que
matam a democracia: a sombra da censura.
Temo que a
disputa eleitoral encubra a gravidade da situação em si. Mais do que uma
simples disputa entre os candidatos A, B ou C, o que foi colocado em xeque é o
próprio direito à livre expressão. Este ato abre um precedente terrível e que
deveria ser evitado a qualquer custo: Agora, independente da situação usando de
artifício legal certo, pessoas ou instituições estão passíveis de serem censuradas.
Se um candidato pode tirar do ar uma rádio pela qual nutre antipatia; quem me
garante que um espetáculo artístico não venha ser censurado no futuro, caso
alguém não concorde com a estética? Quem me garante que um jornal não venha ser
fechado se alguém não antipatizar um colunista? Os reflexos desta ação na
sociedade já chegaram ao cúmulo de quer censurar até um estudante só porque ele
colou um adesivo político no seu caderno particular. E se, da mesma forma que
foi um adesivo político, quem me garante que qualquer referência uma crença ou
filosofia ou estética que seja por alguém indesejada também não será censurada?
O precedente, infelizmente, foi aberto. Lamento que as pessoas que tenham
impetrado tão infeliz ação não perceberam o câncer social que estão brincando.
Não perceberam que esta chaga pode se expandir e atingir toda a sociedade,
inclusive eles mesmos. Chaga que custou (e ainda custa) tanto sangue para
extirpa-lo da vida humana.
Repito: entendo
que liberdade deve ser exercida com responsabilidade e que as regras devem ser seguidas.
Para tanto, basta seguir o bom-senso. Contudo, atentar contras os direitos mais
elementares do ser humano, manipulando as leis, isso nunca! Escrevo este artigo
como um escritor, nascido na Bahia de Castro Alves e Jorge Amado (dois baianos
que tanto amaram a liberdade e por ela lutaram) e que já estudou jornalismo na
UFBA (onde aprendi a importância da comunicação livre), mais do que nunca, como
um cidadão que, independente de minhas idéias, discorda veemente da ação. Assim
como Voltaire, defenderei sempre o direito da pessoa dizer o que pensa, mesmo
não concordando com o que foi dito. Calá-lo, nunca! E tenho dito!
Um comentário:
Lamentáveis eventos como esse e outros que vêm ocorrendo em Valença deixam cada vez mais claro que uma nova era deplorável está tentando instalar suas primeiras raízes no seio de nossa sociedade: Uma ditadura barata, dotada de objetivos egoístas e manipuladores; ao mesmo tempo em que a população se tornaria cada vez mais submissa, chegando ao ponto de abdicar de direitos cedidos a nós por Deus. Direitos esses como liberdade de expressão, livre arbítrio e afins...
É irritante que tal ocorrido cuja tamanha gravidade é um fato, seja ignorado pela maioria ou tratado de forma corriqueira pelos que chegam a lidar com o assunto.
Compartilho com você, caro Ricardo a revolta mútua desses que tentam imoralmente arrancar direitos tão importantes para nós que temos natural necessidade de se comunicar e compartilhar o melhor que há da informação e conhecimento.
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