A (i)mortalidade dos nossos ídolos
Ricardo Vidal
Escritor, especialista em Estudos Literários pela UFBA
membro da Academia Valenciana de Educação, Letras e Artes
25 e 28 de julho de 2014
Na semana passada, o Brasil recebeu a notícia do falecimento de Dr. Rogério Mourão, principal nome da astronomia brasileira. Essa notícia chega quando ainda estávamos nos recompondo do susto do falecimento de Ariano Suassuna, que por sua vez veio de assalto quando ainda tínhamos as pálpebras úmidas pelo falecimento de João Ubaldo Ribeiro…
Num insight de humor negro, poder-se-ia pensar como a Morte ironicamente confrontou a “imortalidade” dos membros da Casa de Machado de Assis – afinal, em menos de 20 dias, três “imortais” faleceram seguidamente: Ivan Junqueira, além dos já citados Ariano e Ubaldo. Contudo, por uma triste coincidência, o falecimento dos escritores valencianos Macária Andrade e Edgard Oliveira (meus confrades da AVELA) e do crítico baiano de cinema André Setaro (de quem orgulhosamente fui aluno na Faculdade de Comunicação de UFBA) nesse triste ano de 2014 faz meditar sobre a (i)mortalidade dos nossos ídolos…
A Razão filosófica e a Empiria científica diz que não haveria muito que se lamentar, pois a única coisa que se tem por certa no mundo é que todo ser vivo – a partir da fecundação dos gametas e passando por todos os processos químicos, sociais, biológicos e culturais – encontra a morte no final da sua caminhada (cedo ou tarde, sem nunca falhar). A Religião ainda traz o consolo da Fé na “outra vida”, enquanto a Arte purga as aflições pela catarse e gozo estético. Mas, de uma forma ou de outra, naquele momento obscuro em que não entra as luzes da Fé, do Belo e da Razão, a sensação que temos é que certas pessoas deveriam ser imunes a essa sentença perene da Morte. Ou melhor, nos recusamos em acreditar que o professor genial de cinema, o cientista aclamado pelos pares ou o escritor contemporâneo predileto (seres que julgamos olímpicos e, portanto, acima das mesquinharias do mundo) também é feito do mesmo pó que se fez o mendigo, o fariseu, o bom, o facínora e o parvo.
Sua fala inédita não se ouvirá mais, sua presença se limitará às memórias das pessoas e ao nome aposto em alguma obra, até que as areias do Pai Tempo cobrirão parcialmente essa nova estátua de Ozymandias, ficando uma ou outra anedota para lhe restituir uma sombra de Humanidade para aquele nome já quase obscuro.
Para evitar isso que tentamos trapacear a Morte. Criamos subterfúgios nos enganar: edições de obras póstumas, cartas e álbuns de fotografia que consolam a ausência do gênio; arquivos e museus perenizem seus objetos e feitos, lembranças indiretas do ídolo ausente; monumentos e honrarias que os eternizem como exemplos e êmulos para a população; a análise crítica exercitada sobre vida e pensamento deles – em busca de algum exemplo ou ensinamento novo que possa engrandecer a mente; uma mimese menor, material, necessária e profana de novos mitos, para celebrar o ser olimpiano que uma vez já caminhou por entre nós. A mortalidade do corpo físico é substituída pela imortalidade dos signos e dos índices preservados pela memória.
É essa vontade de se derrotar (por algum meio imaginário) a Morte que obriga transcender nossa condição de meros animais do planeta Terra, conglomerados de átomos fugazes e perdidos na imensidão das galáxias existindo sem sentindo, para nos definidos como Seres Humanos. Ou, dizendo tudo de forma mais simples: cada menina que se questione sobre os mistérios das estrelas ou sobre o passado do Baixo Sul, um menino cante o hino de Valença ou um jornalista se debruce para criticar bem um bom filme; Rogério Mourão, Edgard Oliveira, Macária Andrade e André Setaro estarão vivos e presentes entre nós. Serão para sempre… imortais!…
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