Sua Majestade, O Bardo

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Valença, Bahia, Brazil
Escritor, autor do livro "Estrelas no Lago" (Salvador: Cia Valença Editorial, 2004) e coautor de "4 Ases e 1 Coringa" (Valença: Prisma, 2014). Graduado em Letras/Inglês pela UNEB Falando de mim em outra forma: "Aspetti, signorina, le diro con due parole chi son, Chi son, e che faccio, come vivo, vuole? Chi son? chi son? son un poeta. Che cosa faccio? scrivo. e come vivo? vivo."

domingo, 19 de outubro de 2014

Quase Escritores, 20 anos depois

Quase Escritores, 20 anos depois
(para minhas alunas e poetisas Tanile e Mayse, com o desejo de nunca parem no "quase")

Valença, 19 de outubro de 2014 (00h39)

   Estou no meu escritório ouvindo as músicas de Rose Azevedo enquanto olho para as estantes de minha biblioteca. Na prateleira que dediquei à literatura de minha terra, dentre as obras de Zacarias de Góis e Vasconcelos, Fábio Luz, Galvão de Queiroz e meus confrades e confreiras da AVELA, está um livro de capa azul e título ousado: Quase Escritores. E fico pensando quantas águas passaram por debaixo da ponte nos últimos vinte anos que separam o lançamento desse livro e o momento que escrevo essa crônica.
   O livro em questão surgiu por iniciativa de minha mestra e confreira Rosângela Góes, como parte da Literarte – festival artístico promovido pelo Educandário Paulo Freire, no já distante ano de 1994 e que, além do lançamento do livro, houve uma palestra de abertura com Araken Vaz Galvão, exposição de trabalhos de artes dos alunos e um recital que se finalizou com um coral de professores e alunos e um “pocket-show” da professora Rose Azevedo. A antologia em questão era resultado de um concurso literário interno em que os alunos podiam inscrever até dois textos. Relembro-me desses fatos porque, dentre os textos escolhidos para o livro, está minha crônica “Saudades” (texto baseado em uma redação escrita por mim quando estudei a então oitava série do 1º Grau no Colégio Social de Valença, sob a orientação de profa. Dinalva Teles). Fora o meu primeiro texto publicado em livro e por isso, eterno motivo de orgulho. 
   Mas, ao lado de minha alegria pessoal, existe uma coisa que me deixa, não sei por que, reflexivo: o título nos anunciava com uma ousadia ímpar. Quase ES-CRI-TO-RES. Aqueles “aborrescentes” e “crionças” estavam sendo alçada a condição de futuros colegas de Castro Alves, Jorge Amado e Dias Gomes que apenas davam o primeiro passo, mas poderia se esperar vôos audazes nos futuro. Quiçá, poderiam ser eles um possível foco de renovação literária para nossa cidade - acaso eles cultivassem o hábito da escrita criativa e perseverassem no desejo de editarem mais e mais textos seus. No entanto, o que aconteceu foi que praticamente esses “quase escritores” passaram ao largo da trilha de Cervantes. São hoje profissionais de saúde, professores e advogados cujas mãos deixaram de empunhar a pena de Camões e a lira de Virgílio. Alguns sequer devem ter em casa uma cópia do livro ou se lembram dos textos que publicaram. E quanto as letras valencianas, elas vieram se renovar sim - mas pelas mãos de algumas das professoras que tão entusiasticamente proclamavam a admiração pelos primeiros textos de seus jovens participantes da antologia. 
   Por isso que fico até tentando a perguntar a profa. Rosângela: Cadê esses quase escritores hoje? Por que não vemos mais textos deles publicados? Será que valeu a pena, ao final das contas, o esforço ter publicado esse livro, quando vemos que praticamente ninguém mais seguiu a carreira literária? No entanto, minha intuição me adverte que, se algum dia que lhe fizer pessoalmente essa pergunta, a resposta estará na ponta da língua, nos versos de Pessoa: “Tudo vale a pena / se a alma não é pequena”. E alguns desses resultados estão aí: Vinte anos depois, a jovem professora que realizara o pocket-show gravou seu CD: Dom – Rose Azevedo se mostrou nele uma inspirada cantora e compositora. Um dos alunos que participou da antologia se formou em Cinema pela Universidade Federal Fluminense – Alan Barros  Nogueira atualmente escreve roteiro de filmes no Rio de Janeiro. E mais outro, que participou tanto do livro como do coral de alunos e professores, esse sim realmente virou escritor – Ricardo Vidal ganhou vários prêmios literários, publicou seu próprio livro e tornou-se o jovem confrade de suas mestras dentro da Academia. 
   As sementes artísticas lançadas por professoras Rosângela, Perpetinha e Raimundinha, de alguma forma, frutificaram. E quantas mais ainda irão frutificar?

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Ordens medicas

MICROCONTO - ORDENS MÉDICAS

O médico chamou os familiares mais próximos para uma conversa reservada, longe do quarto do hospital:

- Aqui está a licença médica. O paciente teve uma crise nervosa e precisa urgentemente de repouso absoluto. Recomendo a vocês que ajudem a criar um ambiente de total relaxamento, longe de qualquer fonte de irritação e stress. Caso contrário, o doente corre sério risco de agravar o quadro

Os familiares, sinceramente preocupados com a saúde do doente, seguiu a risca TODAS as recomendações do médico. Até o derradeiro minuto, fizeram de tudo para aborrecê-lo, irritá-lo, estressá-lo e infartá-lo precocemente...

(qualquer semelhança com a realidade é melhor nem comentar...)

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Vitivinicultura literaria

Vitivinicultura Literária
Tempo & Criação Literária

Senhoras e senhores, boa noite para todos.

Minha contribuição nessa távola redonda talvez não possa ter uma aplicação imediata numa oficina de criação literária, mas (creio eu) poderá dar mais clareza aos que, saindo daqui, pretendam continuar no caminho da escrita criativa. Gostaria de falar sobre o Tempo dentro do processo de criação literária, mas exatamente como ele interfere na avaliação e na escrita em direção ao texto final.
O senso comum, ainda embebido de uma herança romântica, coloca o texto literário como algo que nasce pronto sob alguma inspiração sobrenatural. É como se fosse uma espécimen de psicografia, em que um “daimon” advindo de outros éons possuísse nosso corpo e mente para escrever ou então um anjo ou orixá ditasse o poema ou o romance já pronto e acabado. Mas, o bom senso aponta para uma outra direção – o texto nasce, a priori, como um eterno devir, um rascunho em que se vislumbra alguma coisa que só será perceptível mais adiante. E para se chegar nela, o escritor precisa que a razão crítica haja sobre o texto com frieza a fim de observar como este vai amadurecendo. E para que isso aconteça, é necessário usar o fator tempo.
Pessoalmente, sempre imaginei o exercício da literatura como algo mais próximo da produção do vinho. Nos parreirais do idioma colhem as palavras e as frases para serem prensadas no tanque branco da página (ou na tela, se pensarmos nos computadores) e assim formar o mosto/texto. Depois, são deixadas fermentando e decantando sozinhas. Convém que o escritor profissional periodicamente retorne aos seus textos, burile onde for preciso, e, principalmente, acompanhe essa fermentação, a fim de ver em que situação está sua obra. Penso nisso porque os textos (pelo o que pude tirar de minha experiência), normalmente seguem três caminhos:
01) Alguns textos viram vinagres porque não resistiram a prova do tempo. Mesmo que, na hora da composição ele realmente emocione, no outro dia (ou na outra semana, ou ainda, meses e anos depois) eles já não encontre ressonância n’alma. Mostram-se por demais ingênuos ou meramente vazios, ainda que retorne a eles e os emendem. Aliás, não é bom realmente mexê-lo: praticamente seria necessário escrever um novo texto, mais apurado, substituindo esse. Não prestam para publicação e inexoravelmente o seu destino é o lixo ou o fundo esquecido de uma gaveta.
02) Outros textos ainda não envelheceram o suficientemente bem. São textos difíceis, com um forte travo do tanino e que tendem a se confundir com os textos avinagrados acima citados: não estão maduros a ponto de serem publicados. Contudo, isso não quer dizer que seja um texto para ser descartado, pois trazem algo que pertube na leitura, pois nasceu póstumo. Ele ainda guarda surpresas, é um texto indomado, o qual (talvez) até precise de duas ou três emendas, algumas correções necessários a fim de que possa sair redondo na página do livro. É um texto cuja leitura, por parte do escritor, precisa ser mais bem digerida antes de mandar servir aos leitores – digestão essa que pode ser longa o suficiente a ponto de o texto vir a lume pelas mãos de um pesquisador que, tendo acesso ao arquivo do escritor, o encontre e o publique em uma edição póstuma de obras completas ou em uma edição crítica.
03) E, last but not least, há os textos que estão prontos para serem engarrafados. Venceram a prova do tempo e a leitura ainda inebria com facilidade, não restando dúvidas ao escritor de que já se pode entregar aos seus leitores. É o que quase não precisa de aparos nas arestas e que o escritor oferece ao público.
Contudo, qualquer que seja o destino desse texto, sobre ele foi necessário sofre a ação do tempo, o que torna o ofício da escrita criativa um processo de escrever, reescrever, fundir, cortar, ler, reler, recortar, corrigir, aumentar e (auto)criticar constantemente. E se a pessoa tiver interesse em publicar suas obras, saberá que periodicamente serão feitas triagens em cima de triagens, leituras em cima de leituras.
Isso se faz necessário, pois o primeiro momento da escrita nós somos traído pela emoção. Seja porque o texto surgido em uma única rajada da pena, seja porque foi preciso muito sangue-suor-e-lágrimas para terminá-lo, a impressão que muitos tem é que o texto está perfeito. Todas as ideias estão devidamente concatenadas, a linguagem apresenta-se soberbamente como nós desejávamos, não há nenhum senão a ser corrigidos. Inconscientemente, pode ser que estamos apenas cansados demais em continuar o trabalho e precisando de uma pausa, por isso temos tendemos a achar que o resultado está bom. Mas muito dificilmente isso ocorre. Então é saudável que o escritor se distancie dele por um momento (minutos ou anos, dependendo do caso) para retornar a ele e escrever.
É nesse momento, nessa RE-visão, nesse RE-torno, nessa RE-tomada é que os defeitos e virtudes começam a vir a tona. É uma vírgula que foi engolida ou uma frase que precisa ser reescrita. Ou sentir se o texto ainda consegue bater na alma de algum modo. Esse é o processo da “fermentação literária”, o do distanciamento necessário para que o escritor possa desenvolver sua autocrítica em relação ao escrito, a fim de se perceber a sua evolução. Não basta apenas pisar e repisar nas palavras no papel para achar que o texto já está para ser engarrafado – é preciso que o tempo também aja sobre ele, que haja essa fermentação necessária para se extrair a essência de uma nova sonoridade, de uma nova sintaxe, de um novo sentido, de uma nova forma de expressão, qualquer coisa que mexa na língua e cause o famoso “estranhamento” pregado pelos formalistas russos. Como consequência dessa tese, percebe-se que a “fermentação” não servirá apenas para aparar pequenas arestas (como erros ortográficos ou para apurar as frases e os parágrafos). É através desse processo que o texto ganha sua integridade como obra de arte – que servirá de marco para a separação entre o escriba diletante e o escritor profissional candidato a figurar na história.
Ao comparar a produção do vinho com a do texto, eu percebo a importância do fator Tempo no tocante ao sucesso do escritor como artista. Bons vinhos finos, assim como bons livros, não são produtos rápidos, feitos a toque de caixa. É preciso paciência na hora de produzir. Não basta apenas a “chegada mágica da inspiração” (como imagina o senso comum alimentado pelo romantismo do século XIX) para que o poema ou prosa garanta o seu lugar como de arte. É o posterior exercício crítico de leitura e releitura que testa a permanência da fruição estética do mesmo. É na leitura “fria” (que eu comparo ao momento de “decantação” do vinho) que se podem filtrar as falhas do texto e assim emenda-lo – isso quando o texto se mostra realmente promissor e não “azedou” a ponto de virar “vinagre”. Depois, quando chegar da publicação do texto, será o mesmo fator Tempo que dirá sobre o sucesso da obra depois de pronta. Da mesma forma que muitos vinhos ainda amadurecem dentro a garrafa, os textos amadurecem depois de publicados. E só o tempo dirá quando o texto atingirá sua maturidade junto ao público, qual será a duração de seu auge, e/ou quando ele “passará do ponto” e deixará de ser relevante – mutatis mutandis, similar ao que acontece com as safras das uvas viníferas.
Aliás, Fábio Luz (escritor valenciano nascido em 1864), na introdução do seu livro A Paisagem no conto, na novela e no romance aborda questão parecida, quando diz (a citar o conceito de caducidade de Schopenhauer): “Dizem que certas bebidas se tornam mais capitosa quando velhas” (…), “assim também os bons livros devem ter um longo período de hybernação, tempo suficiente para que se faça o deposito das impurezas e imundícies com que os macularem os contemporâneos”. E continua logo depois: “É a caducidade para acquisição de forças; não é a morte”.

Em resumo, os autores dos Vedas já falavam que “O tempo é a semente do universo”. O mesmo se pode em relação à literatura – acaso nós a encaremos com a mesma seriedade de um enólogo diante da produção de um Riesling alsaciano ou de Chianti.  Meus caros amigos e amigas, diante do tempo passado na minha fala (e que espero não ter extrapolado), eu espero que essa modesta contribuição possa ajudá-los a compreender um dos aspectos do nosso ofício de escritor. Obrigado pelo tempo dedicado a ouvi-las.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Antiode sobre o Amor

Anti-ode sobre o Amor

Brasília; 30 de setembro de 2014 (03h47)

Não sei qual mal ao amor fiz,
Para dele, eu provar fel e fogo.
Sei que alimentamos utopias
E nos iludimos em construir castelos
Que serão derrubados na primeira onda.
Sei que o Amor-Ideia de Platão
É mais uma sombra na caverna
E só nos poemas a alegria é absoluta.
Mas, ainda assim prosseguimos
Em quimeras mil cultivar alhures
E sonhar com princesas e fadas.
Fingimos ignorar os espinhos da rosa
E que mesma abelha dá mel e ferroada.
Insistimos ilogicamente em fazer
Do coração a morada do amor
(criança travessa que sempre será mimada).
E nos entregamos como cordeiro ao lobo…
Deixamos o cupido entrar e fazer bagunça,
Retorcer planos e sonhos e desejos,
A ponto de nos perdermos a nós mesmos!
Ah! Tudo é paixão! Tudo é Eros, Ágape, Filos!
Tudo é um amor avassalador e louco
Que nos faz, por segundo, crer no Paraíso…
Não vemos a Tempestade no horizonte
E então, aprendermos amargamente
Que amar pode ser sinônimo de sofrer.
Que os mesmos olhos que são faróis
Também podem ser perdição e gelo.
Sol e trevas caminhando junto,
Dor e Alegria, prazer e tristeza,
E quando pensamos estar imunes
Ao fogo que arde sem ser visto,
Eis que novamente o cupido vem
Para bagunçar tudo mais uma vez…
Mas, se tanto fel o amor pode produzir,
Por que sem ele a vida é mais triste?

(É o que pergunta o meu coração)

Biblioteca do Bardo Celta (Leituras recomendadas)

  • Revista Iararana
  • Valenciando (antologia)
  • Valença: dos primódios a contemporaneidade (Edgard Oliveira)
  • A Sombra da Guerra (Augusto César Moutinho)
  • Coração na Boca (Rosângela Góes de Queiroz Figueiredo)
  • Pelo Amor... Pela Vida! (Mustafá Rosemberg de Souza)
  • Veredas do Amor (Ângelo Paraíso Martins)
  • Tinharé (Oscar Pinheiro)
  • Da Natureza e Limites do Poder Moderador (Conselheiro Zacarias de Gois e Vasconcelos)
  • Outras Moradas (Antologia)
  • Lunaris (Carlos Ribeiro)
  • Códigos do Silêncio (José Inácio V. de Melo)
  • Decifração de Abismos (José Inácio V. de Melo)
  • Microafetos (Wladimir Cazé)
  • Textorama (Patrick Brock)
  • Cantar de Mio Cid (Anônimo)
  • Fausto (Goëthe)
  • Sofrimentos do Jovem Werther (Goëthe)
  • Bhagavad Gita (Anônimo)
  • Mensagem (Fernando Pessoa)
  • Noite na Taverna/Macário (Álvares de Azevedo)
  • A Casa do Incesto (Anaïs Nin)
  • Delta de Vênus (Anaïs Nin)
  • Uma Espiã na Casa do Amor (Anaïs Nin)
  • Henry & June (Anaïs Nin)
  • Fire (Anaïs Nin)
  • Rubáiyát (Omar Khayyam)
  • 20.000 Léguas Submarinas (Jules Verne)
  • A Volta ao Mundo em 80 Dias (Jules Verne)
  • Manifesto Comunista (Marx & Engels)
  • Assim Falou Zaratustra (Nietzsche)
  • O Anticristo (Nietzsche)