Sua Majestade, O Bardo

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Valença, Bahia, Brazil
Escritor, autor do livro "Estrelas no Lago" (Salvador: Cia Valença Editorial, 2004) e coautor de "4 Ases e 1 Coringa" (Valença: Prisma, 2014). Graduado em Letras/Inglês pela UNEB Falando de mim em outra forma: "Aspetti, signorina, le diro con due parole chi son, Chi son, e che faccio, come vivo, vuole? Chi son? chi son? son un poeta. Che cosa faccio? scrivo. e come vivo? vivo."

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Amizade em Tempos de Radicalismo

Amizade em Tempos de Radicalismo

Salvador, 22 de dezembro de 2016 (23h38)

Querida ex-colega da FACOM

Hoje, enquanto acessava o Foicebook (Fernando Morais é quem está certo!), o mesmo sugeria a ti como possível amiga. Lembrei-me dos tempos em que fomos colegas no curso de Jornalismo da UFBA, de sua inteligência, das conversas que tivemos no pós-aula – nós dois calouros: você atriz e roqueira e eu um bicho do mato recém-chegado a capital e cheio de poemas na sacola. A saudade bateu forte e a vontade era te adicionar. Mas não dava. È uma pena Tive que declinar da ideia. Nesses tempos de Intolerância e Radicalismo político, não dá para ter você como amiga de foicebook.

Desde o Twitter eu sei que você é uma antipetista e antiesquerdista feroz. Na verdade, já na época da faculdade sabia que você não morria de amores pela esquerda e no tempo do Orkut você admirava o cretino do Diogo Mainardi. Nada de errado com isso. É a sua cabeça, suas convicções e eu a respeito por isso. Da mesma forma que na minha cabeça eu prefiro o socialismo e desde meus 17 anos eu sou filiado a um partido de esquerda e não tenho (até agora) pretensões de desfiliar-me dele. Não espero sua aprovação pelas minhas escolhas (afinal, elas foram feitas antes nos conhecermos) nem quero ficar na posição de avaliar as suas escolhas políticas. Contudo, sei que, no clima atual, é complicado. Será que nós iriamos nos suportar na militância digital, cada um postando mensagens políticas contrárias? E considerando que faz muito tempo que não nos vemos pessoalmente, não deu para criar um muro afetivo que evite os atritos ideológicos.

Penso nisso porque estamos em uma época de radicalismo e intolerância política acentuada pela visibilidade do pensamento causado pela internet. As redes sociais, elas parecem que tiraram as antigas travas morais que as pessoas tinham no trato público e tem permitido expor claramente o que as pessoas pensam. E aí, em lugar de pessoas cordatas e com bom senso, o semianonimato e “liberdade” da internet têm mostrados pessoas mesquinhas, preconceituosas, monstros sem máscaras. Vemos as pessoas destilando racismo, sexismo, xenofobia e LGBTQ+fobia sem nenhum freio moral. É como se a internet transformassem Dr. Jekyll em Mr. Hyde sociais, cada vez mais encastelado nos seus radicalismos e na intolerância. E aí que vem a questão da amizade nas redes sociais.

Giorgio Agamben, ao retomar Aristóteles em seu ensaio “O Amigo”, fala da questão da alteridade. Um amigo é o outro com quem se “com-divide” a experiência da vida. E isso tem uma implicação não só existencial (torna a experiência da vida mais doce) como política (no seu sentido filosófico mais elevado). Politicamente, o amigo não é alguém quem pensa parecido, mas o outro com quem dialoga – mesmo tendo pensamentos antagônicos. É sentir conjuntamente a partilha da vida e assim procurar sínteses na pluralidade de ideias para uma existência mais doce e eticamente melhor no mundo.

Por isso, minha querida ex-colega, entramos em um impasse: a amizade precisa de um diálogo na pluralidade. Só que ela sobrevive a erosão causada nas redes sociais? Até que pontos nós queremos manter a amizade, queremos dividir nossa existência com pessoas cujo pensamento e a mensagem pode ser tão contrárias às nossas crenças? Até quando aguentaremos ver repetidas vezes a postagem eterna que destila a falta de diálogo? Como a intolerância pode tornar doce a experiência compartilhada do viver? É uma tarefa difícil em tempos de relacionamentos fluídos, minha querida… Não minto que de vez em quanto tenho feito algumas faxinas nos meus perfis nas redes sociais, para tirar os contactos daqueles que vejo que não há nenhuma possibilidade de diálogo produtivo.

Por isso, minha amiga, em entrei no seu perfil no foicebook e vi algumas de suas fotos – vi poucas atuais, muitos de seus recortes de jornais. E fechei a aba do meu navegador, com o desejo de que esteja tudo bem contigo. Lembrarei com carinhos das nossas conversas. Se quiseres conversar sobre qualquer coisa que não seja política, a casa estará aberta. Até lá, cada um siga gerenciando e postando o que bem entender nos seus perfis.


Abraços

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Ser Estudante

Ser Estudante…

Valença, 17 de julho de 1995

(…) Sei que a Mocidade
É o Moisés no Sinai,
Das mãos do Eterno
Recebe as placas da Lei(…)
O Século - Castro Alves

“Me gustan los estudiantes,
jardin de nuestras alegrias,
Son aves que no se asustan
de animal o policia
y no le asustan las balas
ni el ladrar da la jauria.
(……………………)
Que rugem como los vientos
cuando les meten al oído
sotanas o regimientos
pajarillos libertários
igual que los elementos”
Me Gustam los Estudiantes - Violeta Parra


Ser Estudante é ser Jovem no espírito!
É ter no sangue uma firme indignação
Ante as injustiças, a má-fé e a opressão;
Ter sempre, como tênue limite, o infinito.

Ser Estudante é ter n’alma a revolução.
É não se conformar co’a mediocridade.
É querer um futuro repleto de felicidade
É amar o Estudo do fundo do coração.

Ser Estudante é, em largo e profundo, crescer.
É aprender, numa sociedade,  a melhor viver
E desejar que no futuro, possa vencer.

Ser estudante é ter a Escola por Pátria; 
A Ousadia por eterno e querido guia

E por alma, sempre, sonhos e Poesia.

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

A ESCRITA FEMININA COMO LITERATURA MENOR O CASO DE ANAIS NIN

a ESCRITA feminina como literatura menor: o caso de Anaïs Nin

José Ricardo da Hora Vidal [1]

1 Introdução

O objetivo desse artigo é discutir a escrita feminina como uma literatura, tomando como corpus os contos eróticos de Anaïs Nin. Para tanto, em um primeiro momento, será analisado o conceito de escrita feminina, tendo como base os estudos de Robin Lakof (2010), Nelly Richards (2002), Lúcia Castelo Branco (1991), Zilda Freitas (2002) e Nelson de Oliveira (2008). Depois, serão analisados como essa escrita feminina pode ser vista como uma literatura menor, tendo por base o texto de Deleuze e Guattari (2015). Finalmente, serão feitas as considerações finais.

Para uma melhor compressão do trabalho, faz necessário conhecer Anaïs Nin, escritora de expressão anglófona do início do século XX que se notabilizou pelos seus diários e escritos eróticos. Vivendo nos loucos anos 20 e casada com Hugh Parker Guiller, manteve uma vida sentimental bem movimentada, datando desta época o affair com o casal June e Henry Miller. E, foi através do seu amante (escritor de verve erótica), que ela começou a escrever os contos eróticos que viriam a formar os volumes “Delta de Vênus” (2006) e “Pequenos Pássaros” (2007) e no poema em prosa “A Casa do Incesto” (1991).

Na gênese de seus contos, Anaïs Nin conta que os escreveu inicialmente por encomenda de um colecionador anônimo, pagando um dólar a página e exigindo apenas que nos contos fosse cortada a poesia e ficasse apenas “o sexo clínico, privado de toda a calidez do amor – a orquestração de todos os sentidos, toque, audição, visão, paladar” (NIN: 2006, p. 8)[2]. Este fato, como ela conta no prefácio de “Delta de Vênus”, levou-a a observar que não existia uma tradição de escrita erótica feminina, fazendo- a concluir que

tinha a sensação de que a caixa de Pandora continha os mistérios da sensualidade da mulher, tão diferente da sensualidade do homem e para qual a linguagem do homem era inadequada. A linguagem do sexo ainda estava para ser inventada. A linguagem dos sentimentos ainda estava para ser explorada. D H. Lawrence começou a dar uma linguagem para o instinto, tentou escapar da linguagem clínica, científica, que captura apenas o que o corpo sente. (NIN: 2006, p. 9)

Diante dessa apresentação inicial e considerando os pontos que serão discorridos ao longo do artigo, uma reflexão sobre escrita feminina e literatura menor se faz necessária.

2 EScrita feminina: gênero literário ou poética?

Ao contrário do pode pensar o senso comum, a "escrita" tem sexo e este não se confunde com o sexo do autor. Conforme lembra Zilda de Oliveira Freitas, no seu ensaio sobre autoria feminina, "Na sociedade ocidental (…) a  dicotomia sexual é uma vivência inconfundível do fazer, do prazer, do saber, enfim, do ser" (FREITAS: 2002, p 116). Isso irá se refletir na no modo de produção literária, na medida como homens e mulheres se relacionam com o mundo através da língua.

Sendo a língua um dos elementos da socialização do ser humano, ela não mostrará "neutra", acima dos processos de dominação; Pelo contrário, ela se estabelece como um meio da expressão / dominação do gênero masculino sobre o gênero feminino. Robin Lakoff, no seu texto "Linguagem e lugar da mulher" analisa este fato, quando fala que

As mulheres experimentam a discriminação linguistica de duas maneiras: no modo como são ensinadas a usar a linguagem e no modo como o uso geral as trata; Ambas tendem (…) a relegar as mulheres a certas funções subservientes: aquelas de objeto sexual, ou serviçal, e, portanto, certos itens lexicais têm significados quando aplicados aos homens e ouros às mulheres, constituindo uma diferença que não pode ser prevista, exceto com referência aos diferentes papeis que os sexos desempenham na sociedade (LAKOFF: 2010, p14)

Como exemplo desta dualidade de significado apresentado por Lakoff está no uso corrente, em língua portuguesa, das palavras "vagabundo" e "cachorro". O uso do feminino desses dois vocábulos para descrever uma mulher sempre tende a ser mais ofensivo e negativo do que o seu correspondente masculino o é para os homens, uma vez que não só a rebaixa como ser social (imprestável, improdutivo, desprezível) como a sua própria feminilidade, como alguém promíscua sexualmente e realçando sua condição de objeto sexual do homem, abaixo mais ainda da já inferior situação que as demais mulheres já possuem na sociedade machista. Esse uso da língua como um meio de dominação entre gêneros vai se aprofundando na formação da identidade de cada indivíduo. Não apenas por já criar um modus operandi da línguas distinto entre homens e mulher, enquadrando que fala de trivialidades ou quem fala de assuntos sérios e assim alijando das tomadas de decisões um ou outro gênero, como imagina Lakoff, Mais além disso, há quase que um apagamento da diferença, de um outro gênero na língua quando um gênero é usado como a forma universal de se referir à realidade. Como bem observa Nelly Richards, “O neutro da língua, sua aparente indiferença às diferenças, camufla o operativo de ter universalizado, à força, as marcas do masculino, para convertê-lo, assim, em representante absoluto do gênero humano” (RICHARDS: 2002, p. 131). Esta discriminação do gênero feminino, que passaria a ser visto como um 'mero caso particular' do gênero masculino, 'legítimo' representante da totalidade dos seres humanos acaba implicando nos de como os discursos são feitos dentros dos espaços sociais. Assim, se dentro do espaço doméstico, particular, a mulher teria reservado um tipo de discurso próprio, o mesmo na se não no espaço público, local da tomadas das principais decisões sociais e por isso mesmo demarcado como reino do discurso masculino. Se no espaço doméstico existe a possibilidade de uma linguagem mais polida e sem lugar para explosões emocionais (que Lakoff atribui como uma das característica da fala feminina que a sociedade espera); no espaço público, esta fala feminina não terá vez, pois nao será forte o suficiente nos momentos de disputas que ocorrem nestes espaço. Diante das explosões emocionais que doravante possa ocorrer, a fala feminina, que ninca foi treinada oara isso, fenece e cede lugar ao discurso masculino, a muito treinado nesta lide, o que leva a afirmação de Cecil Jeanine Albert Zinani, que essa afirma que: "(…) a voz da mulher sempre foi silenciada, o que impediu desenvolver uuma linguagem própria" (ZINANI: 2006, p. 25). É a esta situação que Robin Lakoff fala em "bilinguismo" nas mulheres (em que, tendo que dominar um 'dialeto feminino' de uso privado e um 'dialeto neutro de uso público, acaba sem ter certeza plena de estar usando a norma certa na ocasião correta) e que Zilda de O. Freitas aponta como o dilema das escritoras, entre “(…) utilizar o discurso masculino é pôr em risco sua feminilidade. Não utilizá-lo é expor-se ao ridículo, ao falar em público” (FREITAS: 2002, p.118). Assim, a mulher escritora já se encontra numa situação de transgressão, de não só ser apropriar de um instrumento masculino criado para os propósitos masculinos como inscrever o corpo e a diferença feminina na língua e no texto.

Diante do fato de existir a diferença entre uma fala feminina para uma fala masculina, mister é compreender como elas irão se mostrar dentro da literatura. Estando a mulher enquadrada dentro do supergrupo das minorias, enfrenta já o problema que estas literatura possuem: as definições comumente apresentadas são “grosseiras e deselegantes”, que dificultam um debate.

Uma definição corrente de Literatura Feminina limita-se a circunscrevê-la no ambiente do gênero de autor, ou seja, aquela escrita por mulheres. E, como resquícios da diferenciação de ocupação dos espaços sociais (como pode se depreender das observações Robin Lakoff e Zilda de Oliveira Freitas) esse modelo de definição preconizaria as seguintes características: discurso confessional sobre os fatos e os fenômenos da vida privada, sobre da rotina doméstica, sobre o relacionamento com os homens em geral e com a família em particular. A literatura de autoria feminina, assim colocada, apresenta, segundo Nelson de Oliveira, um caráter restritivo que NÃO abarca toda a questão. O "feminino" é uma categoria mais ampla dentro da ficção, que chega até a ser independente do próprio sexo do autor. Em última análise, transforma a literatura feminina num gênero literário fechado similar à ficção científica ou literatura policial, com seus clichês pré-estabelecidos e padrões rígidos a serem esperados. No caso dos contos eróticos de Anaïs Nin, a não-aplicabilidade desta definição fica patente quando se observa uma diversidade de expressão e nuances temáticas e que estão anos-luz de se restringir ao discurso confessional sobre a vida privada.

Diante da fabilidade da definição anterior, Nelson de Oliveira apresenta uma definição mais ampla: Literatura Feminina seria uma "poética", ou seja, um modo de criação de literária aberto para expressão individual do autor. Seria como uma feminização da própria escrita, que mesmo não sendo exclusivamente restrita da mulher, mantém sempre uma certa relação com ser mulher. Esta escrita se traduziria como uma poética da transgressão ao discurso masculino dominante, apresentando-se como sua antítese dialética, ou pelo menos um meio de escape à dominância falocêntrica da língua. Em consonância ao proposto por Nelly Richard, que ver na feminização da escrita " uma erótica do signo" a extravasar o marco/retenção da significação masculina com seus excedentes rebeldes (corpo, gozo, heterogeneidade, libido, multiplicidade), desregulando a tese do discurso masculino (RICHARDS: 2002, p. 133), Nelson de Oliveira: compreende a literatura feminina (mesma forma que Lúcia Castello Branco) como é a escrita do gozo, dos mistérios, da fantasia exacerbada, do mergulho no inconsciente, dos segredos e das confissões, da loucura, construída frequentemente em torno do silêncio. É a escrita dionisíaca e noturna que se choca com o apolíneo e ensolarado racionalismo masculino (OLIVEIRA: 2008, p. 85). Lúcia Castello Branco apresenta como outras características da escrita feminina a procura de "fazer do signo a própria coisa e não uma representação da coisa" (CASTELLO BRANCO: 1991, p. 21). E como complemento as estas características, Cecil Jeanine Albert Zinani acrescenta que

A linguagem centrada na perspectiva da mulher se caracteriza-se por estabelecer um código que instaura um processo enunciativo de carater subversivo não só em termos de vocabulário como também de uma sintaxe específica que possa desconstruir o discurso masculino e estabelecer a diferença entre os sexos. (…) As estratégias utilizadas podem remeter para o significado original das palavras, revisar a constituição de vocábulos, especialmente através dos prefixos, reconceituar as metáforas utilizadas, recuperar as elipses. A leitura marginal concretiza-se, portanto, através de desvios que possibilitarão a percepção do Outro e a própria constituição desse Outro emergente em sujeito de um novo discurso. Ao se preocupar com a revelação da escrita feminina através das lacunas do texto, de certa forma, a autora recupera o princípio de que essa escrita revela-se através da história silenciada produzida pelo texto subjacente. (ZINANI: 2006, pp 35-36).

A literatura feminina está no plano da poética porque não apresenta fórmulas definidas para amoldar o texto dentro de plano preconcebido, pois ela busca sempre extrapolar todas as bordas, ir além dos limites. Antes, trabalha no próprio plano do signo para atingir a essência do texto, rasurando uma ordem prévia do discurso dominante "masculino" para desvelar uma outra perspectiva transgressora, a do olhar da mulher. Por ser mais um tom (na acepção cromática e musical do termo [CASTELLO BRANCO: 1991, p. 76]) transgressor do não-fálico (sem ser necessariamente oposta e simetricamente ao fálico) do que um simples gênero fechado que a literatura feminina não se restringe ao sexo do autor, pois ele ultrapassa, intersecciona e tangencia o autor para levá-lo a uma outra lógica de criação literária, de excessos e deslocamentos, que pode ser ao mesmo tempo prolixo e lacunar. A escrita erótica de Anaïs Nin traz o olhar feminino ao subverter a ordem masculina. No caso do conto Marianne, é o homem que se transforma em objeto do prazer e excitação da personagem título do conto, na medida que é ela a voyeur ativa (ela quem toma as iniciativas quanto ao sexo), enquanto o personagem masculino se apresenta como um exibicionista passivo, como pode se depreender no trecho “Quanto mais passivo era o comportamento dele, mais ela ansiava por tratá-lo com violência[3]” (NIN: 2006, p. 89). Na mesma forma, no plano da expressão, é a mulher quem narra a estória. É interessante que o personagem Fred só existe na medida que ele é narrado pelas mulheres: suas ações e suas memórias existem como fruto da narração de Marianne para Anaïs Nin e no momento que Marianne perde do interesse por ele, ele deixa de existir, no qual a estória termina com o foco da narração voltado para Marianne.

3 A LITERATURA menor em Anaïs Nin


Partindo desse pressuposto de que a escrita feminina não se constitui como um mero “gênero literário”, mas sim, encontrá-se no nível da poética, ou seja, como um modo especial de sentir e produzir os textos, entende-se então como a literatura feminina é uma uma literatura “menor”, ou seja, uma literatura feita por uma minoria em uma língua, que tenha uma potência revolucionária.

Segundo DELEUZE e GUATTARI (2015: p.35), “uma literatura menor não é a de uma língua menor, mas antes a que uma minoria faz em uma língua maior”. Isso coloca em questão que a literatura menor não se torna sinônimo da literatura que é produzida em uma língua menos prestigiada. O que os autores apontam inicialmente é que o menor está no autor: aquele que pertence a uma minoria dentro da sociedade. No que tange à escrita feminina, Lakoff, como foi discutido anteriormente, já aborda ao fato da mulher ser “bilíngue”. No caso, a “língua” que uma autora irá utilizar na publicação não seria o de seu dialeto de gênero, mas a norma do gênero dominante na sociedade patriarcal, que é a norma masculina. Mais adiante, observa que literatura menor “não qualifica mais certas literaturas, mas a condições revoluncionárias de toda literatura no seio daquela que se chama grande (ou estabelecida)” (DELEUZE e GUATTARI: 2015, p39). Pode se observar que então que a literatura não se coloca como um “tipo” em si, mas a um “modo de produção” literário que é engajado que se opera em relação ao Cânone. Segundo Deleuze e Guattari, a literatura menor tem três características: “desterritorialização da língua, ligação do individual no imediato-político e o agenciamento coletivo da enunciação” (ibidem, idem).

Sobre a primeira característica, os autores descrevem que que “a língua é afetada de um forte coeficiente de desterritorialização” (DELEUZE e GUATTARI: 2015, p35). Ou seja, a língua utilizada na produção literária é redefinida a partir do local de fala do sujeito enunciador, que é pertencente a uma minoria. Como os autores irão falar mais adiante (ao se referir a Franz Kafka, um judeo theco que escrevia em alemão), essa desterritorialização surge de uma “impossibilidade de não escrever, porque a consciência nacional, incerta ou oprimida, passa pela literatura” (DELEUZE e GUATTARI: 2015, p35-36). A impossibilidade vem do fato em qual língua, em qual “território linguístico” pode ser utilizado pela para a produção da literatura menor. Não é na “língua menor” da minoria que produz os textos. É dentro de uma língua “maior”, da norma mais aceita  que se dá esse embate. Esse processo pode se dar tanto através do enriquecimento artificial da língua maior, no qual se usa recursos estilíticos da expressão da minoria que irão embelezar a expressão dessa língua como pode se dá pelo caminho oposto, o empobrecimento dessa língua, usando com sobriedade o idioma. Dessa forma, desterritorialização é compessada como uma reterritorialização nos sentidos. Anaìs Nin, no prefácio ao livro Delta de Vênus deixa isso, na medida em que questiona em que forma se expressa o erotismo feminino: “Conforme escrevi no volume três do Diário, eu tinha a impressão de que a caixa de Pandora continha os mistérios da sensualidade feminina, tão diferente da do homem e para a qual a linguagem masculina era inadequada” (NIN: 2006, p. 13)[4]. Mesmo sabendo desse ponto, a autora escreveu seus textos se baseando nos modelos já existentes da “língua masculina” que predominavam no gênero erótico, como ela afirma “Achei que meu estilo se derivava da leitura de trabalhos escritos por homens, e por esse motivo sempre julguei que houvesse comprometido meu eu feminino” (ibidem, idem)[5].

A segunda característica da literatura menor, segundo Deleuze e Guattari, é “tudo nelas [as literaturas menor] é político” (DELEUZE e GUATTARI: 2015, p36). Diferente das literaturas “maiores”, em que o caso individual dentro dos textos costumam a se unir frouxamente a outros casos individuais e o meio social (que é meio ambiente e pano de fundo) estão em espaço mais alargado no qual não se não estabelecendo sempre uma relação política, na literatura menor ocorre o contrário: “seu espaço exíguo faz que cada caso seja imediatamente ligado à política. O caso individual torna-se, então, tanto mais necessário, indispensável, aumentado ao microscópio, quanto toda uma outra história agite nela” (ibidem, idem). Ou seja, o enredo e personagens não estão lá apenas como um produto estético, mas se apresentação dentro de um contexto de relação e discussão política. Isso pode ser visto em Anaís Nin no conto Lilith, do livro Delta de Vênus, em que se conta a história de uma mulher frígida em que, um dia o marido teria pregado uma peça, oferecendo um pretenso afrodisíaco para estimulá-la e assim, mesmo depois de descobrir a verdade, a personagem feminina fica obsecada em conseguir um meio artificial que a excite sexualmente[6]. A busca pela prazer por parte na mulher pode ser interpretado como uma forma de luta feminista pela igualdade. O prazer sexual não seria algo restrito aos homens, mas também como um direito feminino. O sexual se imbrica com a própria condição feminina no início do século XX para expressar uma política do prazer que fosse mais progressista.

A terceira característica aponta por Deleuze e Guattari é

tudo toma uma valor coletivo. Com efeito, precisamente porque os talentos não abundam numa literatura menor, as condições de uma enunciação individual não são dadas, que seria a de um tal ou qual “mestre”, e poderia ser separada da enunciação coletiva (DELEUZE e GUATTARI: 2015, p. 37).

Ou seja, o que enunciado no texto literário menor não é apenas uma afirmação individual de um autor, emulado por algum “mestre” ou “expoente” da literatura. Antes, passar ser também uma enunciação coletiva e rizomática da própria minoria em que esse autor está inserido. O texto torna-se assim também uma expressão política com caráter revolucionário, pois irá ativar uma consciência coletiva que, por ser minoritária, se encontra em vias de desagregação. Deleuze e Guattari prossegue, afirmando que a literatura menor produz uma solidariedade ativa, no qual, estando o escritor “a margem ou apartado de sua comunidade frágil, essa situação o coloca ainda mais em condição de exprimir uma outra comunidade potencial, de forjar os meios de uma consciência e de uma outra sensibilidade” (DELEUZE e GUATTARI: 2015, p. 37). Como resultado disso, a literatura menor não será marcado por sujeitos individuais, mas por “agenciamentos coletivos de enunciação” (ibidem, p. 38). Em Anaïs Nin essa característica pode ser observada no já referido prefácio de Delta de Vênus, em que, quando ela resolve publicar suas histórias eróticas, ela o faz para mostrar “os primeiros esforços de uma mulher em um mundo que sempre fora dominado pelos homens” (NIN: 2006, p. 14)[7]. Assim, a autora pesquisada procurará expressar essa literatura erótica urilizando enunciados que estejam na coletividade feminina. Os homens não serão retratados dentro dos esteriótipos viris e forte que a literatura de autoria masculina, como pode se ver nessa descrição de Fred, personagem masculino no supra citado conto Marianne: nos trechos “A fala dele ficou enrolada. Ele corou. Parecia uma mulher, pensei” (NIN: 2006, p. 86)[8] e “Ele tinha um ar de fauno e um jeito esquivo feminino, que me atraíam” (ibidem, p. 87)[9].


4 considerações finais

Como pode ser observado ao longo do artigo, a escrita feminina possui características próprias e que irá influenciar na produção literária, conforme pode ser visto nos contos eróticos de Anaïs Nin.

A literatura feminina tem um escrita própria que faz com que essa literatura não se constitua como um tipo de gênero literário que tenha fórmulas e modelos pré-definidos. Antes, ela se apresenta como como uma “poética”, como um modo de produção estética e de criação literária que se centra na feminização da escrita. Embora essa escrita não se confunde necessariamente com o sexo do autor, mas mantém um estreita relação com o que se é construído socialmente como feminino (visto aqui no seu prisma transgressor que realiza rasuras na literatura marcada pelo patriarcalismo). Isso pode ser visto na forma que Anaïs Nin escreve sua literatura erótica, trazendo uma marca feminina em um campo que a tradição normalmente sempre foi visto como dominado pelos seres humanos do gênero masculino. Ela traz não só um olhar novo, mas uma expressão nova desse tipo de literatura.

E por trazer esse escrita feminina na criação literária se apresenta como uma literatura menor. Menor não por ser menos importante do que em relação aos escritos eróticos masculinos, mas expressão revolucionária da consciência e sensibildiade de uma minoria social. A literatura erótica de autoria feminina, como é a escrita por Anaïs Nin, desterritorializa da língua padrão “masculina” para reterritorializá-la através dos sentidos, tanto no na noção simbólica do significado como na noção física dos significantes. Também estabelece uma ligação seu imeditato-individual com o político, na medida que a estética também com os jogos de poder que existe na sociedade. E final, também se torna um agenciamento coletivo de enunciação quando essa literatura funciona como um meio de veiculação de ideias e significados da a minoria como um todo.

referências

ALEXADRIAN. A literatura erótica feminina. In: ALEXADRIAN, A história da literatura erótica. 2ª Ed. Tradução Ana Maria Scherer e José Laurênio de Mello. Rio de Janeiro: 

Rocco, 1993.


CASTELLO BRANCO, Lúcia. O que é escrita feminina. São Paulo: Brasiliense, 1991. (coleção Primeiros Passos v. 251)

DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. O que é uma literatura menor. In: DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. Kafka Por uma literatura menor. Tradução Cíntia Vieira de Silva. Belo Horizonte: Autêntica, 2015. Coleção Filô/Margens, pp 35-53.

FREITAS, Zilda Oliveira de. A literatura de autoria feminina. In: FERREIRA, Silvia Lucia e NASCIMENTO, Enilda Rosendo de (org). Imagens da mulher na cultura contemporânea. Salvador: NEIM/UFBA, 2002. Coleção Bahianas v.7, pp 115-123.

LAKOFF, Robin. Linguagem e lugar da mulher. In: FONTANA, Beatriz e OSTERMANN, Ana Cristina (org). Linguagem. Gênero. Sexualidade: clássicos traduzidos. São Paulo: Parábola Editorial, 2010. Coleção Lingua[guem] v.37, pp 13-30.

NIN, Anaïs. Delta de Vênus. Tradução Lúcia Brito. Porto Alegre: L&PM, 2006. Coleção L&PM Pocket, pp 84-95

NIN, Anaïs. Delta of Venus. Londres/Nova York: Penguin Book, 1990. pp 55-65

OLIVEIRA, Nelson de. Literatura feminina ou poética feminina? In OLIVEIRA, Nelson de. A oficina do escritor. Sobre Ler, Escrever e Publicar. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2008.

RICHARDS, Nelly. Diferença sexual, gênero e crítica feminista. In: RICHARDS, Nelly. Intervenções críticas: arte, cultura, gênero e política. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. (Série Humanitas v. 81), pp 125-172.

ZINANI, Cecil Jeanine Albert. Identidade e Subjetividade. In: ZINANI, Cecil Jeanine 

Albert. Literatura e gênero: a construção da identidade feminina. Caxias do Sul: Educs, 
2006, pp 19-48.






[1] Mestrando em Crítica Cultural pela UNEB – campus II. Especialista em Estudos Linguísticos e Literários pela UFBA. E-mail: ricardovidal@hotmail.com.br.

[2] No original em inglês “Clinical sex, deprived of all the warmth of love – the orchestration of all the senses, touch, hearing, sight, palate”, (NIN: 1990, p. ix). Fato contestado por Alexandrian, no seu livro “História da Literatura Erótica” (1994, p. 307): “estou convencido que o colecionador não existiu. Era um mito inventado por Anaïs Nin a partir de um mexerico de Henry Miller, um mito que lhe serviu de álibi para assumir sem culpabilidade seus fantasmas sexuais”.  Mais adiante no texto, Alexandrian cita Elizabeth Hardwick, afirmando que Anaïs Nin possuía “um apetite patológico para mistificação” e observam-se ou semelhanças entre uma psicanálise de grupo com as sessões de trabalho de Anaïs Nin e seus amigos na produção destas estórias eróticas a serem enviadas ao colecionador.

[3] No original em inglês “The more passive and undemonstrative he was, the more she wanted to do violence to him”, (NIN: 1990, p. 59).

[4] No original em inglês: “As I wrote in Volume III of the Diary, I had a feeling that Pandora’s box contained the mysteries of woman’s sensuality, so different from a man’s and for which man’s language was inadequate” (NIN: 1990, p. xiii)

[5] No original em inglês: “I believed that my sytle was derived from a reading of men’s works. For this reasom I long felt that I had compromised my feminine self” (NIN: 1990, p. xiii)

[6] Essa busca é mostrada no trecho “Porém, daquele momento em diante Lilith ficou obcecada pela ideía de que deveria haver meios artificiais de inflame-la. Tentou todas as fórmulas de que ouviu falar” (NIN: 2006, p. 82) [No original em inglês: “But from that moment Lilith was haunted by the idea that there might be always of arounsing herself artificialy. She tried all the formulas sher had heard about” (NIN: 1990, p. 54)]

[7] No original em inglês: “[I finally decided to release the erotica for publication because] it shows the beginning efforts of a woman in a world that had been the domain of men” (NIN: 1990, pp. xiii-xiv)

[8] No original em inglês: “His speech was tangled. He blushed. He was like a human, I thought” (NIN: 1990, p. 56)

[9] No original em inglês: “He had a faunish air and a feminine evasiveness which attracted me” (NIN: 1990, p. 57)

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

10 anos do blog

Tem coisas que simplesmente acontecem e quando se dar conta, estão lá para nosso espanto. Sem me dar conta, já se passaram 10 anos que mantenho esse blogue. Creio que durante esse tempo consegui manter meu propósito de fazer uma blogue de literatura. Comecei como um graduando em Letras que recém deixava de ser calouro. Hoje sou mestrando. Fiz daqui um espaço de reflexões pessoais, literárias, experimentação (como as série de postagem "Reino de Jambom") e até de divulgação de obras de amigos. Publiquei prosa & poesia; conto, crônica, artigo e poema. Tive a possibilidade de conhecer pessoalmente uma leitora de um dos contos. Agora, o que me espera daqui pra frente? Não sei. Só sei que continuarei escrevendo...

O CANONE DA LITERATURA EROTICA DE AUTORIA FEMININA SOB O PRISMA DA CRITICA CULTURAL REFLEXOES NECESSÁRIAS

O Cânone da literatura erótica DE AUTORIA FEMININA SOB O PRISMA DA CRÍTICA CULTURAL: REFLEXÕES NECESSÁRIAS


José Ricardo da Hora Vidal[1]

1 Introdução

O objetivo desse artigo é discutir a questão do cânone na literatura erótica de autoria feminina, tomando como corpus os textos de Anaïs Nin. Para tanto, em um primeiro momento, e considerando ser a autora de expressão anglófona, será analisado o texto “A ascensão de inglês” (2006), de Terry Eagleton, para compreender o surgimento dos estudos de literatura inglesa. Depois, serão analisados dialeticamente o modelo interpretativo de Silviano Santiago (2000) e a questão do cânone de autoria feminina, nas perspectivas de pesquisadoras como: Constância Lima Duarte (1997), Zahidé Lupinacci Muzart (1997), Rita Terezinha Schmidt (2008), entre outras. Finalmente, serão feitas as considerações finais.
Para uma melhor compressão do trabalho, faz necessário conhecer Anaïs Nin, escritora de expressão anglófona do início do século XX que se notabilizou pelos seus diários e escritos eróticos. Vivendo nos loucos anos 20 e casada com Hugh Parker Guiller, manteve uma vida sentimental bem movimentada, datando desta época o affair com o casal June e Henry Miller. E, foi através do seu amante (escritor de verve erótica), que ela começou a escrever os contos eróticos que viriam a formar os volumes “Delta de Vênus” (2006) e “Pequenos Pássaros” (2007) e no poema em prosa “A Casa do Incesto” (1991).

Na gênese de seus contos, Anaïs Nin conta que os escreveu inicialmente por encomenda de um colecionador anônimo, pagando um dólar a página e exigindo apenas que nos contos fosse cortada a poesia e ficasse apenas “o sexo clínico, privado de toda a calidez do amor – a orquestração de todos os sentidos, toque, audição, visão, paladar” (NIN: 2006, p. 8)[2]. Este fato, como ela conta no prefácio de “Delta de Vênus”, levou-a a observar que não existia uma tradição de escrita erótica feminina, fazendo- a concluir que
tinha a sensação de que a caixa de Pandora continha os mistérios da sensualidade da mulher, tão diferente da sensualidade do homem e para qual a linguagem do homem era inadequada. A linguagem do sexo ainda estava para ser inventada. A linguagem dos sentimentos ainda estava para ser explorada. D H. Lawrence começou a dar uma linguagem para o instinto, tentou escapar da linguagem clínica, científica, que captura apenas o que o corpo sente. (NIN: 2006, p. 9)

Diante dessa apresentação inicial e considerando os pontos que serão discorridos ao longo do artigo, uma reflexão sobre ascensão dos estudos literários modernos, a relação entre o cânone e literatura erótica de autoria feminina e um novo modelo interpretativo de estudos se faz necessária.

2 A ASCENSÃO DOS ESTUDOS DA LITERATURA ANGLÓFONA


Terry Eagleton, no capítulo “A ascensão do inglês” do livro Teoria da Literatura: uma introdução[3], discorre sobre o surgimento dos modernos estudos da literatura de expressão anglófona. No início do texto, o autor contrasta a definição atual de literatura com a usada na Inglaterra do século XVIII. Segundo ele
Na Inglaterra do século XVIII, o conceito de literatura não se limitava, como costuma ocorrer hoje, aos escritos “criativos” ou imaginativos. Abrangia todo o conjunto de obras valorizadas pela sociedade: filosofia, história, ensaios e cartas, bem como poemas. Não era o fato de ser ficção quer tornava um texto “literário” – o século XVIII duvidava seriamente se viria a ser literatura a forma recém-surgida do romance – e sim sua conformidade a certos padrões de “belas letras”. Os critérios do que se considerava literatura eram, em outras palavras, francamente ideológicos: os escritos que encerravam os valores os valores e “gostos” de uma determinada classe social eram considerados literatura, ao passo que uma balada cantada nas ruas, um romance popular e, talvez mesmo o drama, não o eram. (EAGLETON: 2006, p. 25)


Ou seja, o autor mostra como os valores culturais de uma sociedade mudam com o passar do tempo e como isso reflete na compreensão das tendências literárias. Na Inglaterra do século XVIII, ainda havia os resquícios da predominância do gosto aristocrático na definição do que era e do que não era literatura. Por exemplo, para a época, os romances de Daniel Defoe, Jonathan Swift e Henry Fielding seriam menos “literários” que os ensaios e sátiras de Alexander Pope, porque esses estariam mais afinados com os valores aristocráticos de arte ligados a uma “boa escrita” (como o ensaio em versos), enquanto aqueles representam o nascimento de uma arte mais ligada a burguesia (como é a narrativa ficcional do romance). Diferente de hoje, que tem na ficção o ponto base para se avaliar quão literário é ou não um texto, o inglês do século XVIII julgaria o texto mais pela forma como ele adere ou não aos valores da aristocracia. Até porque, como prossegue Eagleton, a literatura não fazia meramente reproduzir certos valores sociais. Antes, ela “era um instrumento vital para o maior aprofundamento e a mais ampla disseminação desses mesmos valores” (EAGLETON: 2006, p. 25). O que estava em jogo era se a obra consolidava as noções de refinamento e do neoclassissismo como “Razão, Natureza, ordem e propriedade” (EAGLETON: 2006, p. 26), no qual ascendente classe burguesa (poderosas econômica e politicamente, mas espiritualmente empobrecidas) se unia a aristocracia ainda governante. A literatura servia como um importante meio para difunsão de hábitos “corretos” e padrões culturais. Para tanto, vários instrumentos  ideológicos foram utilizados para consolidar essa tendência: “periódicos, cafés, tratados sociais e estéticos, sermões, traduções dos clássicos, manuais de etiqueta e de moral” (ibidem, idem).

Eagleton serve desse cénario para entender o sentido moderno de literatura como escrita “criativa ou imaginativa”, surgida no século XIX. Já no final do século XVIII observou-se uma mudança e delimitação no discurso literário, com uma “reorganização radical na ‘formação discursiva’ da sociedade inglesa” (EAGLETON: 2006, p. 26), em que, por exemplo, a categoria “poesia” deixou de se limitar ao conceito de texto em versos para ser entendida mais amplamente como sinônimo de “criatividade radicalmente contrário à ideologia utilitária do meio do capitalismo na Inglaterra” (EAGLETON: 2006, p. 26), reestabelecendo a diferença entre escritos “factuais” (como a notícia de jornal) e “imaginativos” (como o romance), que já vinha do período romântico. No entanto, o autor ressalta a ambiguidade que o termo “imaginativo” carrega, pois pode tanto se resvalar para ver imaginativo como igual o qualitativo “imaginário” (ou seja, “literalmente inverídico”),  como ver imaginativo no sentido avaliativo de “visionário” ou “inventivo”.

Diante desse ponto, Eagleton analisa o quão singular é esse amálgama entre literatura como escrita imaginativa que se estabeleceu no romantismo. Essa singularidade fica mais nítida quando se contrapõe como o termo “prosaico” ganhou uma conotação negativa, como algo pouco inspirador, monótono e aborrecido (EAGLETON: 2006, p. 26). Como o autor afirma
Se o que não existe nos parece mais atraente do que o que existe, se a poesia ou a imaginação tem posição privilegiada em relação à prosa ou ao “fato concreto”, parece razoável supor que isso revele alguma coisa significativa sobre os tipos de sociedade em que os românticos viveram. (EAGLETON: 2006, p. 26)


Eagleton dá a explicação para essa colocação, quando considera que o período que os românticos viveram foi o das revoluções e mudanças: o processo de independência nas Américas, a Revolução Francesa e o período napoleônico (no qual foram postos em cheque a velha ordens colonial ou feudal pela burguesia); ao mesmo tempo que a Inglaterra vivia sua transformação econômica como nação capitalista industrial, transformação essa decorrente dos lucros no comércio de escravos e no controle imperial dos mares. Entretanto, as utopias visionárias dos românticos se chocaram com a “dura realidade dos novos regimes burgueses” (EAGLETON: 20006, 27), em que a percepção utilitarista da vida se tornou a ideologia da classe média industrial, colocando o factual como fetiche, transformando relações humanas em relações de trocas comerciais e reduzindo a arte a ponto de um ornamento pouco lucrativo. Isso refletiu na nova organização social, em que a vida humana se tornava numa espécime de escravidão assalariada, que alienava a nova classe operária, na medida que rejeitava tudo aquilo que não podeia se tornar em mercadoria. É dentro desse panorama que a “literatura” aparece sinônimo de escrita imaginativa, como reação aos valores celebrados e afirmados pela sociedade inglesa advinda do capitalismo industrial. Como afirma o autor,
A própria obra literária passa a ser vista como uma unidade orgânica misteriosa, em contraste com o individualismo fragmentado do mercado capitalista: ela é espontânea e não calculada racionalmente, criativa, não mecânica. A palavra poesia, portanto, já não se refere simplesmente a um modo técnico de escrever: tem profundas implicações sociais, políticas e filosóficas; ao ouvi-la, a classe governante pode, literalmente, sacar o revólver. A literatura torna-se uma ideologia totalmente alternativa, e a própria “imaginação”, como em Blake e Shelley, torna-se uma fuga política. Sua tarefa é transformar a sociedade em nome das energias e valores representados pela arte. (EAGLETON: 2006, p. 29)

Ou seja, a fuga da realidade através da literatura, com narrativas “inventadas” (ainda que verossímeis), longe da representação do factual, se configurava como um posicionamento político-estético de oposição a alienação presente no utilitarismo filisteu e mecanicista pregado pela sociedade capitalista industrial. A arte em geral (e a literatura em particular) aparece como polo ideológico alternativo no qual os seres humanos possam contestar a realidade burguesa, apresentando outros valores sociais e servindo até como contestação, crítica, oposição e resistência ao poder constituído[4]. Mas, além desse aspecto “militante” da arte em relação à sociedade, Eagleton apresenta uma outra percepção que essa primazia da imaginação na literatura. Como o autor observa mais adiante, ao apostar na “soberania e autonomia” do imaginativo e seu virtual distanciamento para as questões prática da vida, “Se a natureza ‘transcendental’ da imaginação ofereceu um desafio a um racionalismo anêmico, também pôde oferecer ao escritor uma alternativa confortavelmente absoluta à própria história” (EAGLETON: 2006, pp. 29-30). Esse distanciamento em relação a história, no entanto, Eagleton analisa que é uma forma do autor enfrentar a situação real do escritor romântico, no qual ele é produtor de uma mercadoria de pouca importância e marginal para uma sociedade que estava pouco disposta em ouvir profetas a proferir verdades eternas e ser a voz do povo. E estando totalmente impossibilitado de participar como classe nos movimentos sociais que buscam transformar capitalismo industrial em um sociedade democrática e socialmente justa, o escritor se refugia na “solidão de sua própria mente criativa” (EAGLETON: 2006, p. 30) para idealizar um mundo melhor.

Como consequência dessa clivagem da arte, o autor analisa que a literatura teve que se voltar em si e usar a própria alienação da vida social a seu favor. Uma vez que o escritor não se escontrava a soldo de um mecenas, de uma igreja e de uma corte que o protegesse, o próprio ideal de criação literária seria usado como motivo de exigência e justificação da literatura. A estética ressignificou historicamente os objetos (como os poemas e a catedrais), na medida que a arte separou-se das “práticas materiais, das relações sociais e dos significados ideológicos com os quais sempre havia se relacionado, e elevada à condição de um fetiche solitário” (EAGLETON: 2006, p. 32). Isso se deve ao momento em que a teoria estética estabeleceu como ponto central de sua investigação, no final da século XVIII, a “doutrina semimística do símbolo” (ibdem, idem). Segundo o autor,
Para o romantismo, na verdade, o símbolo torna-se a panacéia de todos os problemas. Dentro dele, toda uma série de conflitos que na vida comum pareciam insolúveis – entre o sujeito e o objeto, o universal e o particular, o sensorial e o conceitual, o mateiral e o espiritual, a ordem e a espontaneidade – podia ser resolvida num passe de mágica. (EAGLETON: 2006, p. 32).

Com o capitalismo industrial, esses conflitos foram sentidos de forma mais aguda: com os objetos do sociedade se tornaram mercadorias inertes e sem vida, distantes dos sujeitos humanos que o produziram ou usavam, tanto o racionalismo como o empirismo não foram capazes de resolver o divórcio entre o concreto e o universal. Coube a estética, atráves do símbolo (do qual artefato literário mantém relação), reuní-los dentro de uma ordem paradoxal, no qual “As energias dinâmicas e espontâneas do progresso social deviam ser estimuladas, mas podadas de sua força potencialmente anárquica por uma ordem social restritiva”. Dessa forma, Eagleton conclui que que a literatura se tornou o “modelo ideal da própria sociedade humana”  (EAGLETON: 2006, p. 33) durante os séculos XIX e XX, no qual fariam que as classes sociais inferiores (o proletariado e as minorias) pudessem se unir em prol da sociedade como um todo e assim refrear a agitação social.

Na medida que a literatura é um tipo de ideologia, por guardar relações estreitas com o poder social seria o novo cimento social, a substituir a religião, que oferecia os valores afetivos e as mitologias básicas que uniram a sociedade inglesa. Eagleton cita a ideia de George Gordon (ex-professor da Universidade de Oxford), de que a literatura inglesa teria três funções na modernidade: “ele ainda deve, ao que me parece, nos dar prazer e nos instruir, mas também, e acima de tudo, salvar nossas almas e curar o Estado” (GORDON apud EAGLETON: 2006, p. 35). Ou seja, a literatura não teria apenas uma função de fruição estética da palavra ou de trazer novos conhecimentos ao leitor mediano, mas também uma espiritual e uma política. Mais adiante, o autor esclarece principalmente essa função política como forma de se combater o avanços de políticas socializantes. Citando Matthew Arnold, poeta e crítico literário britânico da era vitoriana, “Negar aos filhos da classe operária qualquer participação no imateiral é deixar que se transformem em homens que exigirão,com ameaças, um comunismo do material” (ARNOLD apud EAGLETON: 2006, p. 37). A literatura deveria promover a “simpatia e sentimento de identidade” entre as classes sociais, habituando as massas ao pluralismo (entedido no caso como uma “aceitação” da ideologia da classe dominante) através de um discurso pautado na na emoção e na experiência. Nesse ponto que se observa não só importância do ensino do inglês para a classe operária, visto como um “Clássico dos pobres – uma maneira de proporcional uma educação ‘liberal’ barata” (EAGLETON: 2006, p. 40), como ascensão do ensino da Literatura nas universidades, na mesma época que ocorria a admissão lenta e relutante de mulheres nos círculos acadêmicos[5]. Com a Primeira Guerra Mundial, os estudos de literatura inglesa nas universidades ganharam importância, na medida que literatura fornecia um consolo para os horrores da guerra como uma reafirmação da identidade nacional. Nesse ponto, salienta que os primeiros pesquisadores dessa nova disciplinas já na vinha mais da aristocracia e da alta burguesia (público que tradicionalmente frequentava as universidades). Antes, vinham da pequena burguesia provinciana (EAGLETON: 2006, 46), classe que entravam pela primeira vez nos círculos acadêmicos e encontram na nova disciplina uma forma de ascensão social. No final da década de 1920 e início da década de 1930, estudar inglês (principalmente a literatura) era estudar “a mais importante de todas [as disciplinas], imensamente superior ao direito, à ciência, à política, filosofia ou história”, uma vez que permitia a uma “exploração espiritual que equivalia ao destino da própria civilização” (EAGLETON: 20006, p. 49). É dentro desse contexto que surgem as primerias escolas de crítica literária, como o grupo da revista Scrutiny, a crítica analítica e o New Cristicim norte-americano.

3 A literatura erótica de autoria feminina e o cânone literário: Diálogos e Cruzamentos


Como consequência da ascensão do estudos literários está o estabelecimento de um cânone, de um corpus de autores que seriam estudados e admirados. Conforme Terry Eagleton assinala, “a qualidade da linguagem de uma sociedade era o índice mais revelador da qualidade de sua vida privada e social” (EAGLETON: 2006, p. 48), Disso daí se pode depreender que não seriam TODOS os escritores que poderiam ser estudados; antes, um grupo deles teria a primazia de moldar a alma nacional através de seus escritos, e portanto, teria seus textos analisados e estudados dentro dos bancos da universidade. Ou como Harold Bloom observa, o cânone, “palavra religiosa em suas origens, tornou-se uma escolha entre textos que lutam uns com os outros pela sobrevivência” que seriam legitimados ou pela classe social dominante, instituições de educação e tradições de críticas ou por autores que estabelecem uma espécimen de linha sucessoria de “ancestralidade e filiação” com autores que precederam. (BLOOM: 2010, p. 33)[6].

A afirmação de Bloom traz um ponto nodal para a discussão: quem define ou legitima o cânone? O que se coloca é que o cânone não se estabelece (apesar de parecer o contrário) como algo acabado, homogêneo e pronto, que não seja sujeito a revisão. Tradições diversas de críticas, grupos sociais diversos, diferetntes instituições de ensino e múltiplas linhagens sucessorias de escritores podem estabelecer seus cânones particulares e depois fazer a disputa hegemônica dentro da sociedade, de forma que o Cânone “oficial” aceito pela maioria pode mudar ao longo do tempo, fazendo que autores antes consagrados caiam no esquecimento e autores “esquecidos” sejam redescobertos – como pode ver na afirmação de Alastair Fowler, citador por Bloom: “mudanças de gosto literário podem muitas vezes estar relacionados a reavaliações de gêneros que as obras canônicas representam” (FOWLER apud BLOOM: 2010, p. 33-34). Uma vez que o cânone se estabelece como algo arbitrário, passível de hierarquizações ad hoc, alguns estudiosos da literatura na atualidade tendem a questioná-lo como elitista e seu estabelecimento como um ato ideológico em si[7], propondo sua ampliação para a entrada outras estilos e autores.

Para o debate sobre o cânone na atualidade, há de se considerar a mudança de paradigma que Rita Terezinha Schmidt[8] observa, em que a literatura se dissocia da noção restritiva de arte (como objeto estético refinado que reflita o gosto de uma classe dominante) para uma visão mais ampla de cultura. Como ela afirma,
Uma das mais significativas decorrências dos novos aportes epistemológicos e seus trânsitos nos estudos literários diz respeito ao deslocamento substancial da definição de literatura como arte ou objeto estético, para a noção de literatura como produção estético-escritural, matéria significante situada no domínio da cultura. Vale lembrar que a divisão entre os domínios da arte e da cultura nasceu do sistema de diferenciação e classificação dos objetos culturais no âmbito da cultura ocidental moderna, sistema esse que se consolidou a partir do século XVIII. Enquanto o termo “cultura” se referia
a práticas tradicionais de caráter coletivo, o termo “arte” foi associado ao objeto singularizado pelos processos de criação e sensibilidade individual. Nesse contexto, se estabeleceu o critério do belo para definir o quadro dos textos designados como grandes obras. (SCHMIDT: 2008, p. 127).

A pesquisadora observa que essa divisão entre arte/cultura corresponderia na antiga divisão entre cultura erudita e cultura popular, ou entre alta cultura e cultura de massa. Mais adiante, ela completa que atualmente há
enfraquecimento do termo “literário” em seu uso tradicionalmente restritivo, no sentido de “arte”, dependente de uma estrutura de valor culturalmente específica, e um fortalecimento do sentido antropológico, pelo qual o literário é integrado à cultura, um campo de produção histórico-social atravessado por diferentes valores, relações e interesses específicos. (SCHMIDT: 2008, p. 128).


Com isso, e tomando como base as ideias de Jonathan Culler, em Sobre a desconstrução , Schmidt relata a relação da literatura com as representações culturais, com os modos de subjetivação e com a construção de identidades e questiona a “imagem do literário nos cursos de Letras” (SCHMIDT: 2008, p. 129). Essas reflexões ajudam a entrar no debate de como a literatura erótica de de autoria feminina se relaciona com o Cânone, uma vez que ela não só está situada à margem do Cânone literário como apresenta o seu próprio cânone interno. Um caminho que pode ser utilizado é novo modelo de interpretação, como o proposto por  Silviano Santiago no ensaio Análise e Interpretação (2000). [9]

Antes, é preciso enfatizar essa marginalidade da literatura de escrita feminina. Cecil Zinani (2014), afirma que[10]:
Entende-se que a literatura marginal está vinculada à expressão de uma minoria, à subalternidade, em oposição à arte canônica, que circula na classe dominante. Nesse sentido, pode ser considerada como literatura marginal aquela produzida por afrodescentendes e por mulheres, na medida em que buscam modalidades de representação próprias. (ZINANI, 2014, P.185)

E complementa:

Na realidade, o sujeito feminino foi, ao longo da história, considerado subalterno, sendo objeto do discurso, jamais sujeito. Ao apropriar-se da palavra, a mulher procurou transformar as representações que traduziam o ponto de vista masculino, constituindo-se em sujeito e elaborando representações próprias, de acordo com sua história e suas especificidades, ou seja, gendradas. Com base nessas reflexões, pretende-se discutir alguns aspectos da escritura feminina, considerando a categoria literatura marginal (idem, p.186, grifos nossos)

No caso, o que se pode depreender é que a literatura de autoria feminina encontra-se a margem da produção do Cânone e que, portanto, se estabeleceu como subalterna. Deste modo, tem buscado um modo próprio de expressão de sua identidade, mudando os modos de representações e tornando-se o sujeito da escrita, no o objeto. Essa forma de expressão reside no que Robin Lakoff[11] chama de “bilinguismo feminino” – além do um “dialeto” próprio das mulheres e de uso particular, teria que usar a norma “neutra”, para uso corrente nas relações sociais[12]. Entretanto, essa apropriação de que fala Zinani, vai ao encontro do que reflete Constância Lima Duarte (1997)[13] ao afirmar que a única modalidade de texto não praticado pelas mulheres foi justamente a crítica literária (1997, p.58). Como consequência, a “legitimação” dessa literatura foi feita, por muitos anos, pelos homens. Diante disso, Duarte assevera:
Uma rápida pesquisa revela como essa crítica masculina de até meados do século [XX] via um texto de mulher e assinala a recorrência de algumas posições, como a atribuição de um estatuto inferior à mulher escritora (com raras excessões); o constragimento em apreciar textos escritos por mulheres; a recomendação de formas literárias mais “adequadas” à “sensibilidade feminina”, como os romances sentimentais e os de confissão psicológicas; a surpresa diante da representação da figura masculina em determinados textos, em tudo diferente do esterótipo do homem viril, forte e superior dos escritos de autoria masculina; e da denúncia de uma certa tendência das mulheres confundir vida pessoal com literatura, o que levou, inclusive, alguns criticos a afirmar que as escritoras pareciam incapazes de se afastar da experiência vivida para entrar no ponto de vista, na psicologia e na linguagem de um outro (DUARTE: 1997, p.58)

Como se pode observar, a leitura realizada pelos homens trouxe uma olhar enviesado e cheio de estereótipos para a análise das obras literárias de autoria feminina. Ao reduzir essa produção ao “feminino”, ao aspecto biologista ou construção histórico-social dessa produção, os críticos literários masculinos mascaravam o valor que essas obras de autoria feminina poderiam ter. Um exemplo desse tipo de análise pode ser encontrado em Alexandrian, na sua obra História da Literatura Erótica[14]. No início do capítulo sobre a produção erótica feminina, ao considerar que ela tem origens imprecisas e desenvolvimento tardio, justifica que as mulheres teriam um erotismo menos cerebral, de onde se pode depreender que teria menos capaz de convertê-las em ideias e imagens (ALEXANDRIAN: 1993, p. 279)

Apesar dessa afirmação inicial, Alexandrian organiza nesse capítulo um rascunho do cânone da literatura erótica de autoria feminina. No que pese o corpus de todo o livro ter se limitado basicamente às literaturas francesa e italiana (com algumas referências na produção grega e bizantina da antiguidade e do medievo) – o que coloca muitas autoras de outros países no limbo desse gênero literário – o autor elenca alguns nomes de destaque. Partindo de Safo de Lesbos, na Grécia antiga, ele estabelece uma linhagem que passa pelas escritoras lésbicas na Paris de 1900, segue por Colette, Anaïs Nin, Pauline Reage, Emanuelle Arsan até o que ele chamará de “Inferno do Feminismo”: Christiane Rochefort e Viollete Leduc.

Esse cânone proposto por Alexandrian reforça o foi dito inicialmente sobre o caráter arbitrário e hierarquizado. Ele mostra a literatura erótica de autoria feminina está em um nível diferente da produção erótica de autoria masculina (Da mesma forma como a própria literatura erótica é tida como rebaixada perante a literatura dita séria – e, portanto, excluído do Cânone [MUZART: 1997, p. 81]).[15] Cabe trazer essa produção para dentro dos estudos acadêmicos, de forma a criar uma fortuna crítica e ampliar o horizonte da crítica cultural na área das Letras e Artes. É nesse ponto que um modelo pós-estruturalista de interpretação pode ser útil, por trazer uma metodologia que abra mais a pesquisa literária nas universidades.

4 MODELO PÓS-ESTRUTURALISTA DE INTERPRETAÇÃO e os textos eróticos de anais nin.


Em contraposição ao modelo estruturalista de análise, Silviano Santiago contrapõe o modelo pós-estruturalista da interpretação[16]. Ele considera que a análise estruturalista, baseada nos fundamentos científicos da linguística, negligenciava a intertextualidade. Concepções ainda não exploradas pelo estruturalismo começavam a ser gestadas para dar conta a estudos como o das obras completas de um autor, estudos esse que, mesmo formados por um conjunto de textos que possuem algo em comum, se exprimem de forma separada e em diálogo entre si.

Nesse ponto, três conceitos se escrevem para guiar o modelo pós-estruturalista de interpretação: diferença, transgressão e contradição.

Por diferença, entende-se como começar
a pensar a instância de articulação de um texto sobre outro(s). Não mais são considerados os textos isoladamente, ou como pertecentes a um único modelo do mesmo, mas como se diferenciando na repetição, como um diálogo entre o mesmo e o outro (SANTIAGO: 2000, p. 208)


No caso, entende-se que a diferença é caminho pelo qual se faz o exercício da intertextualidade. No caso do estudo literário, os textos não se decompõe isoladamente em pedaços particulares ou reduzidos a uma fôrma padrão. Antes, são vistos em conjunto, traçando diálogos entre si e/ou com os demais campos do conhecimento. Por exemplo, o estudo dos contos que compõe o livro Delta de Vênus[17] não seriam vistos em separado e desmontados em seus elementos, como dialogando entre si e com outros campos, como a a História (ou caso, ver como esses contos se enquadram dentro dos “Agitados Anos 20” do século XX), com a Psicanálise (principalmente se considerado que eles foram escrito no momento que a autores da época estavam descobrindo os princípios de Freud), etc.

Por transgressão, pode se entender como um processo de revaloração que se contrapõe a uma ordem estabelecida (no caso, a uma cultura dominante). Na interpretação, a transgressão se estabelece para questionar os valores que fundamentam um estudo, trazendo a tona outros que possam norteá-lo. Silviano Santiago observa como exemplo a apropriação de Oswald de Andrade de trechos da Carta de pero Vaz de Caminha, no qual os poemas oswaldianos se estabelecem como questionamentos aos “valores da cultura portuguesa, ocidental, branca e cristã” (SANTIAGO: 2000, p. 209). Isso também se aplicaria ao estudo dos contos eróticos de Anaïs Nin. Se a literatura erótica em si já se estabelece-se como um contraponto valorativo a dita “literatura séria e canônica” – e como tal, posto a margens nos estudos literários, a literatura erótica de autoria feminina se coloca como a margem da margem, uma vez que é escrita por uma mulher e que põe em xeque-mate os valores patriarcais que dominam a sociedade ocidental.

Já a contradição, esta se afirmaria
Pela diferença (e não por uma simples síntese), ela existe como conceito operacional, pois é ela que pode dar conta deste criar pela destruição, deste 

destruir pela criação, que mais e mais significa (estamos descobrindo um pouco tarde) o espírito moderno (2000, p. 209)


Ou seja, a contradição não se limitaria a uma mera operação dialética escrita na fórmula “tese mais antítese igual a síntese”. A contradição, como meio operacional, já traz dentro do se bojo a sua afirmação e a sua negação. É o próprio meio em que se estabelece o diálogo que ocorre pelo conceito da diferença.

Silviano Santiago traz a contribuição de Deleuze e Derrida para a mudança de paradigma quanto ao modelo teórico de investigação nas ciência humanas, na medida em que ambos resgatam do limbo filosófico as categorias do discurso teórico da área. (que fora operacionalizado pelas então recentes descobertas da linguística). Embora haja diferenças, eles concordam que o discurso das ciências humanas deveriam ter um estatuto de ambiguidade. Isso significa que ultrapassar o velho modelo que circunscrevia-as a segmentos estanques e da prisão positivista de se encarar as ciências dentro do paradigma das ciências exatas, o que levaria a uma visão fechada de resultados – como acontecia com o estruturalismo.

Eles estão dentre as pessoas que começaram a fazer a releitura do estruturalismo através da releitura de outros filósofos, como Nietzsche. Por exemplo, foi por meio do contacto do discurso nietzschiano sobre a linguagem (em paralelo a meditação sobre Freud) que serão colocados três problemas: a) O da verdade e de sua relação com linguagem (ou seja, do estatuto de validade lógica de uma sentença e de como essa validade é expressa), b) O da interpretação (ou seja, de um novo paradigma de estudo e investigação) e c) O da genealogia (ou seja, a da origem). Dentre esses problemas, o da Genealogia se inscreve com maior interesse porque era de central importância para Nietzsche (se se remeter à origem) e foi relegado a segundo plano ou mal interpretado pelos estruturalistas como um “começo”. Para tanto, a questão é colocada como sendo que “Genealogia quer dizer ao mesmo tempo valor de origem e origem dos valores. Genealogia opõe-se ao caráter absoluto dos valores com o seu caráter relativo ou utilitário” (DELEUZE apud SANTIAGO: 2000, p. 212). Nesse ponto, a Genealogia é a forma que se operacionaliza o conceito de transgressão citado anteriormente.

Como outro ponto para se entender o modelo de interpretação, Silviano Santiago comenta a redefinição de signo dentro do pensamento nietzschiano. Citando Foucault, Santiago observa que
percebemos desde o início que o signo e a linguagem não estão isentos de uma “avalização” por parte do intérprete ou do genealogista. Já no Livro do Filósofo (1872-1873), Nietzsche interpelava o “princípio de razão” que se repousava numa continuidade entre a linguagem e as coisas, num acordo pacífico e incondicional entre elas, proporcionando então ao pensador a “ilusão” de que a linguagem podia ser a expressão adequada de todas as realidades (SANTIAGO: 2000, p. 213)

O que essa citação coloca é que já não pode caber na investigação um único discurso ou forma discursiva que detenha o monopólio da explicação da realidade. No modelo estruturalista de análise, essa forma discursiva que age de modo imperialista reside na linguagem científica, formata dentro de padrão lógico herdado de Aristóteles e da Matemática. Na sua “exatidão”, ela traz a ilusão de que pode abarcar toda uma cosmovisão da realidade. O que a interpretação traz é a possibilidade de utilizar outras formas discursivas que também possam explicar a realidade, como no caso de se utilizar os próprios textos literários como potências teóricas que tragam cosmovisões paralelas as das ciências. Mais adiante, Silviano retoma Nietzsche para explicar que o ato de nomear é um ato de autoridade do homem – principalmente dos que dominam. “O homem impõe uma e sua interpretação e um e seu valor, quando utiliza criativamente a linguagem” (SANTIAGO: 2000, p. 214).

Nesse ponto, após essas considerações, Santiago aponta os “dois princípios diretores da interpretação, segundo Michel Foucault”: 1) Ela é uma tarefa infinita. Ou seja ela não cessa em si e que nunca se completa porque não há nada de primeiro a ser interpretrado. 2) Tudo já é interpretação. Ou seja, ela se volta para si mesma, formando um movimento circular que definirá o movimento do conhecimento humano. Mais adiante, o pesquisador observa ainda que a interpretação é polissêmica, o que daria a impossibilidade de “dar conta da ‘totalidade”, o que levaria a se reconsiderar os conceito clássico de estrutura (SANTIAGO: 2000, p. 215).

Assim, o modelo pós-estruturalista de interpretação se mostra melhor para uma investigação da literatura por ser mais amplo na obtenção dos resultados. Não se limitaria a um conjunto fechado de leituras rigidamente definidas. Antes, permite ampliar as possibilidades de estudos, abrindo para uma perpectiva crítico-cultural de explicação da realidade.

4.1 A INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS ERÓTICOS DE ANAÏS NIN


Conforme foi visto no tópico acima, o modelo pós-estruturalista de interpretação, quando aplicado à investigação literária (principalmente no que se relaciona à investigação da literatura erótica de autoria feminina), conduz a resultados mais amplos e profícuos – mormente quando contrastada com o modelo estruturalista de análise.

Pelo modelo de análise, a leitura dos contos eróticos de Anaïs Nin (como no caso de “Marianne” e “Manuel”, presentes no livro Delta de Vênus) seria feita pela decomposição dos elementos dos contos (personagens, narrador, tempo, local, etc) para depois reconstruir como estrutura de simulacros que, em última análise, reduziram-nos ao esquema de explicação fechado sobre o processo do voyeurismo feminino / exibicionismo masculino. Já na interpretação, que é por definição infinita e holística, os textos supracitados seriam investigados  pela sua diferença. Mesmo que em ambos os contos exista o resíduo da história de um homem cujo prazer se dá pelo exibição pública de sua genitália, eles seriam lidos entre si pela sua diferença – em “Marianne”, o exibicionismo ocorre na relação entre o casal Marianne e Fred, como se pode ver no seguinte trecho: “Eu estava realmente atormentada pelo desejo. Mas um homem daquele tipo está interessado apenas em que eu olhe para ele.” (NIN: 2006, p. 89)[18], enquanto em “Manuel”, o exibicionismo do personagem título é anônimo, como pode ser ver a seguir:
Manuel desenvolvera uma forma peculiar de se satisfazer que fizera sua família repudiá-lo, de modo que ele vivia como um boêmio em Montparnasse. (…) Mais cedo ou mais tarde, Manuel tinha de abrir a braguilha das calças e exibir seu membro gigantesco.

Quanto maior fosse o número de pessoas que testemunhasse a cena, melhor. Se estava entre pintores e modelos, esperava que todos estivessem um tanto babados e mais alegres, e então se despia por completo. Seu rosto ascético e sonhador, seus olhos poéticos e seu corpo de monge faziam um contraste tão grande com seu comportamento, que não havia quem não se espantasse. Se virassem o rosto, desviando os olhos, Manuel não sentia prazer. Mas se o olhassem, por um segundo que fosse, ele caía em uma espécie de transe, seu rosto ficava extático e logo ele rolava pelo chão em uma crise de orgasmo. (NIN: 2006, p. 255) [19]

E essa leitura pode ser ampliada para além das fronteiras da literatura – na medida que se pode dialogar esses contos com a psicanálise freudiana – no caso, relacionar o exibicionismo / voyeurismo presente nos textos de Anaïs Nin com a conclusões que Freud tem em relação ao fetichismo, especialmente sobre o sentimento de castração provocado pela vista dos órgãos genitais femininos, quando se compara a reação de Fred logo quando vai morar com Marianne em que “Fred mudou-se para o estúdio. Mas, como Marianne explicou, ele não progrediu além da aceitação de suas carícias. Deitavam-se nus na cama, e Fred agia como se ela absolutamente não tivesse sexo[20]” (NIN: 2006, p. 92). Isso dialoga com com a reflexão de Freud no texto O Fetichismo, em que ele afirma que “provavelmente a nenhum indivíduo humano do sexo masculino é poupado o susto da  castração à vista de um órgão genital feminino” (FREUD: 1996, p. 157) [21] e que isso redunda na criação de um fetiche por parte de algumas pessoas (não todas). Dessa forma, a interpretação abre o leque de entendimento que possa ter sobre os contos eróticos de autoria feminina (como os são os de Anaïs Nin), ao permitir que múltiplas leituras possam ser estabelecidas no textos: leitura biográfica, leitura psicanalítica, leitura sociológica, etc.

Nessa ampliação do campo de leituras dada pelo modelo pós-estruturalista da interpretação cabe uma compreensão melhor sobre o próprio objeto de pesquisa que é o estudo da literatura erótica de autoria feminina. A análise, que se baseia em campo fechado de resultado, pode levar também a um fechamento e hierarquização dos elementos de estudos das estruturas. Assim, no objeto “Literatura”, “a “Literatura Erótica” é vista como elemento menor, se comparada com a Literatura dita “Séria” ou “Superior” do Cânone. E, ainda, corre-se o risco de reduzir dos objetos distintos (as narrativas eróticas de autora masculina e as narrativas eróticas de autoria feminina) em um único modelo ideal dado a priori ou a um único exemplo levantado como modelo teórico universal. No caso do modelo da interpretação, as hierarquias de elementos tendem a desaparecer. A relações são vistas de forma rizomática, sem um centro que defina o bom e o ruim. A Literatura Erótica será estudada pela suas diferenças, transgressões e contradições, pelas suas potencias como forma de uma crítica da cultura e do erotismo. Narrativas de autorias masculina e feminina não seriam homogeneizadas – antes, serão interpretadas pela sua différance no qual a literatura de autoria feminina é o Outro que dialoga entre si e com a literatura de autoria masculina. E, no caso da narrativa erótica feminina, ela se estabelece como uma trangressão valorativa (bem a moda nietzschiana) e questionamentos dos princípios fundamentais do patriacalismo da sociedade ocidental. Como bem diz Anaïs Nin na introdução do livro de Delta de Vênus, no momento que ela começou a escrever seus contos eróticos, observou que havia a predominância da voz masculina nesse tipo de literatura (NIN: 2006, p. 13)[22]. Faltava um modelo feminino de como escrever sobre o sexo – ainda que fosse nítida a forma prática como homens e mulheres se diferenciavam no trato sobre a sexualidade, como a autora cita no prefácio: “Embora a atitude das mulheres em relação ao sexo fosse bastante diferente da dos homens, ainda não havíamos aprendido como escrever sobre isso” (ibidem, idem).

5 considerações finais


Diante do exposto ao longo do artigo, pode-se observar primeiramente como a ascensão dos modernos estudos literários da língua inglesa influenciou na formação do cânone. Estabelecido como um novo cimento ideológico que pudesse unir as classes sociais na Inglaterra nos séculos XIX e XX, fornecendo principalmente ao povo uma educação liberal mais barata e promovesse a cooperação de classe, os estudos do Inglês (língua e literatura) selecionaram uma série de autores e textos anglófonos que servissem para a formação da identidade nacional, criando assim um cânone que pudesse se tornar como referência. Como consideração marginal, pode se notar a instrumentalização política do patrimônio linguístico-cultural para a organização social. Para uma pesquisa futura, seria bom observar se esse processo descrito por Eagleton também se realizou em outros Estados.

Contudo, o que se observa é que o cânone não se apresenta como um corpo monolítico, imutável e homogêneo. Antes, seria melhor falar em “cânones” no plural, uma vez que ele possuem hierarquizações ad hoc e diversas fontes legitimadoras (grupos sociais, instituições de ensino, tradições de crítica e linhagens espirituais de escritores e escritoras) que disputam entre si quais autores e textos possuem a primazia na educação estética e afetiva das massas. Como consequência dessa disputa, observa-se a formação de um centro, onde estão a nata literária no qual gravitam periferias de autores, gêneros, estilos e movimentos artísticos, que ora dialogam, ora divergem entre si. Esse movimento dialético ganha mais força quando se estuda a literatura não na perspectiva restritiva de belas-letras (cuja literariedade fosse algo dado  a priori e essencialista), mas na visão mais ampla de cultura (em que os textos literários são parte de produto estético do fazer humano). Nesse ponto, um campo de estudo que se mostra promissor é o da literatura erótica de autoria feminina, uma literatura que se encontra duplamente marginal dentro do cânone: seja por trabalhar o tema do erotismo dentro da arte,  que é tido como rebaixado diante de temas mais “nobres”; seja pela sua autoria, que são as mulheres, que culturalmente estiveram relegadas a um posição subalterna na sociedade patriarcal.






[1] Mestrando em Crítica Cultural pela UNEB – campus II. Especialista em Estudos Linguísticos e Literários pela UFBA. E-mail: ricardovidal@hotmail.com.br.

[2] No original em inglês “Clinical sex, deprived of all the warmth of love – the orchestration of all the senses, touch, hearing, sight, palate”, (NIN: 1990, p. ix). Fato contestado por Alexandrian, no seu livro “História da Literatura Erótica” (1994, p. 307): “estou convencido que o colecionador não existiu. Era um mito inventado por Anaïs Nin a partir de um mexerico de Henry Miller, um mito que lhe serviu de álibi para assumir sem culpabilidade seus fantasmas sexuais”.  Mais adiante no texto, Alexandrian cita Elizabeth Hardwick, afirmando que Anaïs Nin possuía “um apetite patológico para mistificação” e observam-se ou semelhanças entre uma psicanálise de grupo com as sessões de trabalho de Anaïs Nin e seus amigos na produção destas estórias eróticas a serem enviadas ao colecionador.

[3] EAGLETON, Terry. A ascensão do inglês. In: EAGLETON, Terry. Teoria literária. Uma Introdução. 6ª ed.. Tradução Waltensir Dutra. São Paulo: Martins Fontes, 2006. pp. 25-82.

[4] Um exemplo contemporâneo da arte como de lugar de contestação, crítica, resistência e oposição pode ser vista como alguns cantores da MPB (Chico Buarque, Milton Nascimento, etc.), na década de 1960 e 1970, desafiaram a Ditadura Militar implantada no Brasil em 1964 e, mais recentemente, na união da classe artística contra a extinção do Ministério da Cultura durante o governo interino de Michel Temer.

[5] Sobre isso Eagleton comenta: “A classe trabalhadora não foi apenas a camada oprimida da sociedade vitoriana, à qual o ‘inglês’ se destinava especificamente. A literatura inglesa, dizia um depoente da Comissão Real em 1877, poderia ser considerada uma matéria adequada para ‘mulheres… e os homens de segunda e terceira classes que… vão ser professores’” (EAGLETON: 2006, p. 41).

[6] BLOOM, Harold. Uma Elegia para o Cânone. In: BLOOM, Harold. O cânone ocidental. Tradução Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010. pp. 27-62.

[7] Sobre isso Harold Bloom comenta: “Os que se opõem ao Cânone insistem em que sempre há uma ideologia envolvida na formação de um cânone; na verdade, vai ainda mais longe e falam de uma ideologia de formação do cânone, sugerindo que estabelecer (ou) perpetuar um cânone é um ato ideológico em si” 
(BLOOM: 2010, p. 36).

[8] SCHMIDT, Rita T. Centro e margens: notas sobre a historiografia literária. Disponível em: http://www.periodicos.unb.br/index.php/estudos/article/view/2003 Acesso em 19 outubro 2016.

[9] SANTIAGO, Silviano. Análise e Interpretação. In: SANTIAGO, Silviano. Uma literatura nos trópicos: Ensaios sobre dependência cultural. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.  pp 200-217.

[10] ZINANI, Cecil Jeanine Albert. Produção literária feminina: um caso de literatura marginal. Disponível em: http://www.ucs.br/etc/revistas/index.php/antares/article/viewFile/3059/1814 Acesso em 15 outubro 2016.

[11] LAKOFF, Robin. Linguagem e lugar da mulher. In: FONTANA, Beatriz e OSTERMANN, Ana Cristina (org). Linguagem. Gênero. Sexualidade: clássicos traduzidos. São Paulo: Parábola Editorial, 2010. Coleção Lingua[guem] v.37, pp 13-30.

[12] Diante dessa situação que Zilda de Oliveira Freitas aponta como o dilema das escritoras está entre “utilizar o discurso masculino é pôr em risco sua feminilidade. Não utilizá-lo é expor-se ao ridículo, ao falar em público” FREITAS, Zilda Oliveira de. A literatura de autoria feminina. In: FERREIRA, Silvia Lucia e NASCIMENTO, Enilda Rosendo de (org). Imagens da mulher na cultura contemporânea. Salvador: NEIM/UFBA, 2002. Coleção Bahianas v.7, pp 115-123.

[13] DUARTE, Constância Lima. O Cânone e a Autoria Feminina. In: SCHMIDT, Rita Terezinha (org). Mulheres e literatura. (trans)formando identidades. Porto Alegre: Palloti, 1997. pp 53-60.

[14] ALEXADRIAN. A literatura erótica feminina. In: ALEXADRIAN, História da literatura erótica. 2ª Ed. Tradução Ana Maria Scherer e José Laurênio de Mello. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.

[15] MUZART, Zahidé Lupinacci. A Questão do Cânone. In: SCHMIDT, Rita Terezinha (org). Mulheres e literatura. (trans)formando identidades. Porto Alegre: Palloti, 1997. pp 53-60.

[16] SANTIAGO, Silviano. Análise e Interpretação. In: SANTIAGO, Silviano. Uma literatura nos trópicos: Ensaios sobre dependência cultural. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.  pp 200-217.

[17] NIN, Anaïs. Manuel. In: NIN, Anaïs. Delta de vênus. Tradução Lúcia Brito. Porto Alegre: L&PM, 2006. Coleção L&PM Pocket.

[18] No original em inglês “I was actually tormented with desire. But a man like that, he is only interessed in my looking at him”. NIN, Anaïs. Marianne. Delta of venus. Londres/Nova York: Penguin Book, 1990, p.58.

[19] No original em inglês: “Manuel had developed a peculiar form of enjoyment that caused his family to repudiate him, and he lived like a Bohemian in Montparnasse, (…) Sooner or later Manuel had to open his pants and exhibit his rather formidable member.
The more people there were, the better. The more refined the party, the better. If he got among the painters and models, he undressed himself completely. His ascetic face, dreamy and poetic eyes and lean monklike body were so much in dissonance with his behavior that it started everyone. If they turned away from him, he had no pleasure. If they looked at him for nay time at all, then he would fall into a trance, his face would become ecstatic, and soon he would be rolling on the floor in a crisis of orgasm.” (NIN: 1990, p. 191)

[20] No original em inglês “Fred moved into the studio. But, as Marianne explained, he not progress from the acceptante of her caresses. They lay in bed, naked, frenziedly, and Fred acted as if she had no sex at all”. NIN, Anaïs. Marianne. Delta of venus. Londres/Nova York: Penguin Book, 1990, p.61.

[21] FREUD, Sigmund. O Fetichismo (1927). In: FREUD, Sigmund. Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, edição standard brasileira Vol. XXI. O Futuro de uma Ilusão, o Mal-Estar na Civilização e outros trabalhos (1927-1931). Tradução José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1996. pp. 151-160

[22]No original em inglês: “but although women’s attitude towards sex was quitte disctint from that of men, we had not yet learned how to write about it” (NIN: 1990, p. xiii). NIN, Anaïs. Delta of venus. Londres/Nova York: Penguin Book, 1990, p.58.

Biblioteca do Bardo Celta (Leituras recomendadas)

  • Revista Iararana
  • Valenciando (antologia)
  • Valença: dos primódios a contemporaneidade (Edgard Oliveira)
  • A Sombra da Guerra (Augusto César Moutinho)
  • Coração na Boca (Rosângela Góes de Queiroz Figueiredo)
  • Pelo Amor... Pela Vida! (Mustafá Rosemberg de Souza)
  • Veredas do Amor (Ângelo Paraíso Martins)
  • Tinharé (Oscar Pinheiro)
  • Da Natureza e Limites do Poder Moderador (Conselheiro Zacarias de Gois e Vasconcelos)
  • Outras Moradas (Antologia)
  • Lunaris (Carlos Ribeiro)
  • Códigos do Silêncio (José Inácio V. de Melo)
  • Decifração de Abismos (José Inácio V. de Melo)
  • Microafetos (Wladimir Cazé)
  • Textorama (Patrick Brock)
  • Cantar de Mio Cid (Anônimo)
  • Fausto (Goëthe)
  • Sofrimentos do Jovem Werther (Goëthe)
  • Bhagavad Gita (Anônimo)
  • Mensagem (Fernando Pessoa)
  • Noite na Taverna/Macário (Álvares de Azevedo)
  • A Casa do Incesto (Anaïs Nin)
  • Delta de Vênus (Anaïs Nin)
  • Uma Espiã na Casa do Amor (Anaïs Nin)
  • Henry & June (Anaïs Nin)
  • Fire (Anaïs Nin)
  • Rubáiyát (Omar Khayyam)
  • 20.000 Léguas Submarinas (Jules Verne)
  • A Volta ao Mundo em 80 Dias (Jules Verne)
  • Manifesto Comunista (Marx & Engels)
  • Assim Falou Zaratustra (Nietzsche)
  • O Anticristo (Nietzsche)