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Escritor, autor do livro "Estrelas no Lago" (Salvador: Cia Valença Editorial, 2004) e coautor de "4 Ases e 1 Coringa" (Valença: Prisma, 2014). Graduado em Letras/Inglês pela UNEB Falando de mim em outra forma: "Aspetti, signorina, le diro con due parole chi son, Chi son, e che faccio, come vivo, vuole? Chi son? chi son? son un poeta. Che cosa faccio? scrivo. e come vivo? vivo."

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

A ESCRITA FEMININA COMO LITERATURA MENOR O CASO DE ANAIS NIN

a ESCRITA feminina como literatura menor: o caso de Anaïs Nin

José Ricardo da Hora Vidal [1]

1 Introdução

O objetivo desse artigo é discutir a escrita feminina como uma literatura, tomando como corpus os contos eróticos de Anaïs Nin. Para tanto, em um primeiro momento, será analisado o conceito de escrita feminina, tendo como base os estudos de Robin Lakof (2010), Nelly Richards (2002), Lúcia Castelo Branco (1991), Zilda Freitas (2002) e Nelson de Oliveira (2008). Depois, serão analisados como essa escrita feminina pode ser vista como uma literatura menor, tendo por base o texto de Deleuze e Guattari (2015). Finalmente, serão feitas as considerações finais.

Para uma melhor compressão do trabalho, faz necessário conhecer Anaïs Nin, escritora de expressão anglófona do início do século XX que se notabilizou pelos seus diários e escritos eróticos. Vivendo nos loucos anos 20 e casada com Hugh Parker Guiller, manteve uma vida sentimental bem movimentada, datando desta época o affair com o casal June e Henry Miller. E, foi através do seu amante (escritor de verve erótica), que ela começou a escrever os contos eróticos que viriam a formar os volumes “Delta de Vênus” (2006) e “Pequenos Pássaros” (2007) e no poema em prosa “A Casa do Incesto” (1991).

Na gênese de seus contos, Anaïs Nin conta que os escreveu inicialmente por encomenda de um colecionador anônimo, pagando um dólar a página e exigindo apenas que nos contos fosse cortada a poesia e ficasse apenas “o sexo clínico, privado de toda a calidez do amor – a orquestração de todos os sentidos, toque, audição, visão, paladar” (NIN: 2006, p. 8)[2]. Este fato, como ela conta no prefácio de “Delta de Vênus”, levou-a a observar que não existia uma tradição de escrita erótica feminina, fazendo- a concluir que

tinha a sensação de que a caixa de Pandora continha os mistérios da sensualidade da mulher, tão diferente da sensualidade do homem e para qual a linguagem do homem era inadequada. A linguagem do sexo ainda estava para ser inventada. A linguagem dos sentimentos ainda estava para ser explorada. D H. Lawrence começou a dar uma linguagem para o instinto, tentou escapar da linguagem clínica, científica, que captura apenas o que o corpo sente. (NIN: 2006, p. 9)

Diante dessa apresentação inicial e considerando os pontos que serão discorridos ao longo do artigo, uma reflexão sobre escrita feminina e literatura menor se faz necessária.

2 EScrita feminina: gênero literário ou poética?

Ao contrário do pode pensar o senso comum, a "escrita" tem sexo e este não se confunde com o sexo do autor. Conforme lembra Zilda de Oliveira Freitas, no seu ensaio sobre autoria feminina, "Na sociedade ocidental (…) a  dicotomia sexual é uma vivência inconfundível do fazer, do prazer, do saber, enfim, do ser" (FREITAS: 2002, p 116). Isso irá se refletir na no modo de produção literária, na medida como homens e mulheres se relacionam com o mundo através da língua.

Sendo a língua um dos elementos da socialização do ser humano, ela não mostrará "neutra", acima dos processos de dominação; Pelo contrário, ela se estabelece como um meio da expressão / dominação do gênero masculino sobre o gênero feminino. Robin Lakoff, no seu texto "Linguagem e lugar da mulher" analisa este fato, quando fala que

As mulheres experimentam a discriminação linguistica de duas maneiras: no modo como são ensinadas a usar a linguagem e no modo como o uso geral as trata; Ambas tendem (…) a relegar as mulheres a certas funções subservientes: aquelas de objeto sexual, ou serviçal, e, portanto, certos itens lexicais têm significados quando aplicados aos homens e ouros às mulheres, constituindo uma diferença que não pode ser prevista, exceto com referência aos diferentes papeis que os sexos desempenham na sociedade (LAKOFF: 2010, p14)

Como exemplo desta dualidade de significado apresentado por Lakoff está no uso corrente, em língua portuguesa, das palavras "vagabundo" e "cachorro". O uso do feminino desses dois vocábulos para descrever uma mulher sempre tende a ser mais ofensivo e negativo do que o seu correspondente masculino o é para os homens, uma vez que não só a rebaixa como ser social (imprestável, improdutivo, desprezível) como a sua própria feminilidade, como alguém promíscua sexualmente e realçando sua condição de objeto sexual do homem, abaixo mais ainda da já inferior situação que as demais mulheres já possuem na sociedade machista. Esse uso da língua como um meio de dominação entre gêneros vai se aprofundando na formação da identidade de cada indivíduo. Não apenas por já criar um modus operandi da línguas distinto entre homens e mulher, enquadrando que fala de trivialidades ou quem fala de assuntos sérios e assim alijando das tomadas de decisões um ou outro gênero, como imagina Lakoff, Mais além disso, há quase que um apagamento da diferença, de um outro gênero na língua quando um gênero é usado como a forma universal de se referir à realidade. Como bem observa Nelly Richards, “O neutro da língua, sua aparente indiferença às diferenças, camufla o operativo de ter universalizado, à força, as marcas do masculino, para convertê-lo, assim, em representante absoluto do gênero humano” (RICHARDS: 2002, p. 131). Esta discriminação do gênero feminino, que passaria a ser visto como um 'mero caso particular' do gênero masculino, 'legítimo' representante da totalidade dos seres humanos acaba implicando nos de como os discursos são feitos dentros dos espaços sociais. Assim, se dentro do espaço doméstico, particular, a mulher teria reservado um tipo de discurso próprio, o mesmo na se não no espaço público, local da tomadas das principais decisões sociais e por isso mesmo demarcado como reino do discurso masculino. Se no espaço doméstico existe a possibilidade de uma linguagem mais polida e sem lugar para explosões emocionais (que Lakoff atribui como uma das característica da fala feminina que a sociedade espera); no espaço público, esta fala feminina não terá vez, pois nao será forte o suficiente nos momentos de disputas que ocorrem nestes espaço. Diante das explosões emocionais que doravante possa ocorrer, a fala feminina, que ninca foi treinada oara isso, fenece e cede lugar ao discurso masculino, a muito treinado nesta lide, o que leva a afirmação de Cecil Jeanine Albert Zinani, que essa afirma que: "(…) a voz da mulher sempre foi silenciada, o que impediu desenvolver uuma linguagem própria" (ZINANI: 2006, p. 25). É a esta situação que Robin Lakoff fala em "bilinguismo" nas mulheres (em que, tendo que dominar um 'dialeto feminino' de uso privado e um 'dialeto neutro de uso público, acaba sem ter certeza plena de estar usando a norma certa na ocasião correta) e que Zilda de O. Freitas aponta como o dilema das escritoras, entre “(…) utilizar o discurso masculino é pôr em risco sua feminilidade. Não utilizá-lo é expor-se ao ridículo, ao falar em público” (FREITAS: 2002, p.118). Assim, a mulher escritora já se encontra numa situação de transgressão, de não só ser apropriar de um instrumento masculino criado para os propósitos masculinos como inscrever o corpo e a diferença feminina na língua e no texto.

Diante do fato de existir a diferença entre uma fala feminina para uma fala masculina, mister é compreender como elas irão se mostrar dentro da literatura. Estando a mulher enquadrada dentro do supergrupo das minorias, enfrenta já o problema que estas literatura possuem: as definições comumente apresentadas são “grosseiras e deselegantes”, que dificultam um debate.

Uma definição corrente de Literatura Feminina limita-se a circunscrevê-la no ambiente do gênero de autor, ou seja, aquela escrita por mulheres. E, como resquícios da diferenciação de ocupação dos espaços sociais (como pode se depreender das observações Robin Lakoff e Zilda de Oliveira Freitas) esse modelo de definição preconizaria as seguintes características: discurso confessional sobre os fatos e os fenômenos da vida privada, sobre da rotina doméstica, sobre o relacionamento com os homens em geral e com a família em particular. A literatura de autoria feminina, assim colocada, apresenta, segundo Nelson de Oliveira, um caráter restritivo que NÃO abarca toda a questão. O "feminino" é uma categoria mais ampla dentro da ficção, que chega até a ser independente do próprio sexo do autor. Em última análise, transforma a literatura feminina num gênero literário fechado similar à ficção científica ou literatura policial, com seus clichês pré-estabelecidos e padrões rígidos a serem esperados. No caso dos contos eróticos de Anaïs Nin, a não-aplicabilidade desta definição fica patente quando se observa uma diversidade de expressão e nuances temáticas e que estão anos-luz de se restringir ao discurso confessional sobre a vida privada.

Diante da fabilidade da definição anterior, Nelson de Oliveira apresenta uma definição mais ampla: Literatura Feminina seria uma "poética", ou seja, um modo de criação de literária aberto para expressão individual do autor. Seria como uma feminização da própria escrita, que mesmo não sendo exclusivamente restrita da mulher, mantém sempre uma certa relação com ser mulher. Esta escrita se traduziria como uma poética da transgressão ao discurso masculino dominante, apresentando-se como sua antítese dialética, ou pelo menos um meio de escape à dominância falocêntrica da língua. Em consonância ao proposto por Nelly Richard, que ver na feminização da escrita " uma erótica do signo" a extravasar o marco/retenção da significação masculina com seus excedentes rebeldes (corpo, gozo, heterogeneidade, libido, multiplicidade), desregulando a tese do discurso masculino (RICHARDS: 2002, p. 133), Nelson de Oliveira: compreende a literatura feminina (mesma forma que Lúcia Castello Branco) como é a escrita do gozo, dos mistérios, da fantasia exacerbada, do mergulho no inconsciente, dos segredos e das confissões, da loucura, construída frequentemente em torno do silêncio. É a escrita dionisíaca e noturna que se choca com o apolíneo e ensolarado racionalismo masculino (OLIVEIRA: 2008, p. 85). Lúcia Castello Branco apresenta como outras características da escrita feminina a procura de "fazer do signo a própria coisa e não uma representação da coisa" (CASTELLO BRANCO: 1991, p. 21). E como complemento as estas características, Cecil Jeanine Albert Zinani acrescenta que

A linguagem centrada na perspectiva da mulher se caracteriza-se por estabelecer um código que instaura um processo enunciativo de carater subversivo não só em termos de vocabulário como também de uma sintaxe específica que possa desconstruir o discurso masculino e estabelecer a diferença entre os sexos. (…) As estratégias utilizadas podem remeter para o significado original das palavras, revisar a constituição de vocábulos, especialmente através dos prefixos, reconceituar as metáforas utilizadas, recuperar as elipses. A leitura marginal concretiza-se, portanto, através de desvios que possibilitarão a percepção do Outro e a própria constituição desse Outro emergente em sujeito de um novo discurso. Ao se preocupar com a revelação da escrita feminina através das lacunas do texto, de certa forma, a autora recupera o princípio de que essa escrita revela-se através da história silenciada produzida pelo texto subjacente. (ZINANI: 2006, pp 35-36).

A literatura feminina está no plano da poética porque não apresenta fórmulas definidas para amoldar o texto dentro de plano preconcebido, pois ela busca sempre extrapolar todas as bordas, ir além dos limites. Antes, trabalha no próprio plano do signo para atingir a essência do texto, rasurando uma ordem prévia do discurso dominante "masculino" para desvelar uma outra perspectiva transgressora, a do olhar da mulher. Por ser mais um tom (na acepção cromática e musical do termo [CASTELLO BRANCO: 1991, p. 76]) transgressor do não-fálico (sem ser necessariamente oposta e simetricamente ao fálico) do que um simples gênero fechado que a literatura feminina não se restringe ao sexo do autor, pois ele ultrapassa, intersecciona e tangencia o autor para levá-lo a uma outra lógica de criação literária, de excessos e deslocamentos, que pode ser ao mesmo tempo prolixo e lacunar. A escrita erótica de Anaïs Nin traz o olhar feminino ao subverter a ordem masculina. No caso do conto Marianne, é o homem que se transforma em objeto do prazer e excitação da personagem título do conto, na medida que é ela a voyeur ativa (ela quem toma as iniciativas quanto ao sexo), enquanto o personagem masculino se apresenta como um exibicionista passivo, como pode se depreender no trecho “Quanto mais passivo era o comportamento dele, mais ela ansiava por tratá-lo com violência[3]” (NIN: 2006, p. 89). Na mesma forma, no plano da expressão, é a mulher quem narra a estória. É interessante que o personagem Fred só existe na medida que ele é narrado pelas mulheres: suas ações e suas memórias existem como fruto da narração de Marianne para Anaïs Nin e no momento que Marianne perde do interesse por ele, ele deixa de existir, no qual a estória termina com o foco da narração voltado para Marianne.

3 A LITERATURA menor em Anaïs Nin


Partindo desse pressuposto de que a escrita feminina não se constitui como um mero “gênero literário”, mas sim, encontrá-se no nível da poética, ou seja, como um modo especial de sentir e produzir os textos, entende-se então como a literatura feminina é uma uma literatura “menor”, ou seja, uma literatura feita por uma minoria em uma língua, que tenha uma potência revolucionária.

Segundo DELEUZE e GUATTARI (2015: p.35), “uma literatura menor não é a de uma língua menor, mas antes a que uma minoria faz em uma língua maior”. Isso coloca em questão que a literatura menor não se torna sinônimo da literatura que é produzida em uma língua menos prestigiada. O que os autores apontam inicialmente é que o menor está no autor: aquele que pertence a uma minoria dentro da sociedade. No que tange à escrita feminina, Lakoff, como foi discutido anteriormente, já aborda ao fato da mulher ser “bilíngue”. No caso, a “língua” que uma autora irá utilizar na publicação não seria o de seu dialeto de gênero, mas a norma do gênero dominante na sociedade patriarcal, que é a norma masculina. Mais adiante, observa que literatura menor “não qualifica mais certas literaturas, mas a condições revoluncionárias de toda literatura no seio daquela que se chama grande (ou estabelecida)” (DELEUZE e GUATTARI: 2015, p39). Pode se observar que então que a literatura não se coloca como um “tipo” em si, mas a um “modo de produção” literário que é engajado que se opera em relação ao Cânone. Segundo Deleuze e Guattari, a literatura menor tem três características: “desterritorialização da língua, ligação do individual no imediato-político e o agenciamento coletivo da enunciação” (ibidem, idem).

Sobre a primeira característica, os autores descrevem que que “a língua é afetada de um forte coeficiente de desterritorialização” (DELEUZE e GUATTARI: 2015, p35). Ou seja, a língua utilizada na produção literária é redefinida a partir do local de fala do sujeito enunciador, que é pertencente a uma minoria. Como os autores irão falar mais adiante (ao se referir a Franz Kafka, um judeo theco que escrevia em alemão), essa desterritorialização surge de uma “impossibilidade de não escrever, porque a consciência nacional, incerta ou oprimida, passa pela literatura” (DELEUZE e GUATTARI: 2015, p35-36). A impossibilidade vem do fato em qual língua, em qual “território linguístico” pode ser utilizado pela para a produção da literatura menor. Não é na “língua menor” da minoria que produz os textos. É dentro de uma língua “maior”, da norma mais aceita  que se dá esse embate. Esse processo pode se dar tanto através do enriquecimento artificial da língua maior, no qual se usa recursos estilíticos da expressão da minoria que irão embelezar a expressão dessa língua como pode se dá pelo caminho oposto, o empobrecimento dessa língua, usando com sobriedade o idioma. Dessa forma, desterritorialização é compessada como uma reterritorialização nos sentidos. Anaìs Nin, no prefácio ao livro Delta de Vênus deixa isso, na medida em que questiona em que forma se expressa o erotismo feminino: “Conforme escrevi no volume três do Diário, eu tinha a impressão de que a caixa de Pandora continha os mistérios da sensualidade feminina, tão diferente da do homem e para a qual a linguagem masculina era inadequada” (NIN: 2006, p. 13)[4]. Mesmo sabendo desse ponto, a autora escreveu seus textos se baseando nos modelos já existentes da “língua masculina” que predominavam no gênero erótico, como ela afirma “Achei que meu estilo se derivava da leitura de trabalhos escritos por homens, e por esse motivo sempre julguei que houvesse comprometido meu eu feminino” (ibidem, idem)[5].

A segunda característica da literatura menor, segundo Deleuze e Guattari, é “tudo nelas [as literaturas menor] é político” (DELEUZE e GUATTARI: 2015, p36). Diferente das literaturas “maiores”, em que o caso individual dentro dos textos costumam a se unir frouxamente a outros casos individuais e o meio social (que é meio ambiente e pano de fundo) estão em espaço mais alargado no qual não se não estabelecendo sempre uma relação política, na literatura menor ocorre o contrário: “seu espaço exíguo faz que cada caso seja imediatamente ligado à política. O caso individual torna-se, então, tanto mais necessário, indispensável, aumentado ao microscópio, quanto toda uma outra história agite nela” (ibidem, idem). Ou seja, o enredo e personagens não estão lá apenas como um produto estético, mas se apresentação dentro de um contexto de relação e discussão política. Isso pode ser visto em Anaís Nin no conto Lilith, do livro Delta de Vênus, em que se conta a história de uma mulher frígida em que, um dia o marido teria pregado uma peça, oferecendo um pretenso afrodisíaco para estimulá-la e assim, mesmo depois de descobrir a verdade, a personagem feminina fica obsecada em conseguir um meio artificial que a excite sexualmente[6]. A busca pela prazer por parte na mulher pode ser interpretado como uma forma de luta feminista pela igualdade. O prazer sexual não seria algo restrito aos homens, mas também como um direito feminino. O sexual se imbrica com a própria condição feminina no início do século XX para expressar uma política do prazer que fosse mais progressista.

A terceira característica aponta por Deleuze e Guattari é

tudo toma uma valor coletivo. Com efeito, precisamente porque os talentos não abundam numa literatura menor, as condições de uma enunciação individual não são dadas, que seria a de um tal ou qual “mestre”, e poderia ser separada da enunciação coletiva (DELEUZE e GUATTARI: 2015, p. 37).

Ou seja, o que enunciado no texto literário menor não é apenas uma afirmação individual de um autor, emulado por algum “mestre” ou “expoente” da literatura. Antes, passar ser também uma enunciação coletiva e rizomática da própria minoria em que esse autor está inserido. O texto torna-se assim também uma expressão política com caráter revolucionário, pois irá ativar uma consciência coletiva que, por ser minoritária, se encontra em vias de desagregação. Deleuze e Guattari prossegue, afirmando que a literatura menor produz uma solidariedade ativa, no qual, estando o escritor “a margem ou apartado de sua comunidade frágil, essa situação o coloca ainda mais em condição de exprimir uma outra comunidade potencial, de forjar os meios de uma consciência e de uma outra sensibilidade” (DELEUZE e GUATTARI: 2015, p. 37). Como resultado disso, a literatura menor não será marcado por sujeitos individuais, mas por “agenciamentos coletivos de enunciação” (ibidem, p. 38). Em Anaïs Nin essa característica pode ser observada no já referido prefácio de Delta de Vênus, em que, quando ela resolve publicar suas histórias eróticas, ela o faz para mostrar “os primeiros esforços de uma mulher em um mundo que sempre fora dominado pelos homens” (NIN: 2006, p. 14)[7]. Assim, a autora pesquisada procurará expressar essa literatura erótica urilizando enunciados que estejam na coletividade feminina. Os homens não serão retratados dentro dos esteriótipos viris e forte que a literatura de autoria masculina, como pode se ver nessa descrição de Fred, personagem masculino no supra citado conto Marianne: nos trechos “A fala dele ficou enrolada. Ele corou. Parecia uma mulher, pensei” (NIN: 2006, p. 86)[8] e “Ele tinha um ar de fauno e um jeito esquivo feminino, que me atraíam” (ibidem, p. 87)[9].


4 considerações finais

Como pode ser observado ao longo do artigo, a escrita feminina possui características próprias e que irá influenciar na produção literária, conforme pode ser visto nos contos eróticos de Anaïs Nin.

A literatura feminina tem um escrita própria que faz com que essa literatura não se constitua como um tipo de gênero literário que tenha fórmulas e modelos pré-definidos. Antes, ela se apresenta como como uma “poética”, como um modo de produção estética e de criação literária que se centra na feminização da escrita. Embora essa escrita não se confunde necessariamente com o sexo do autor, mas mantém um estreita relação com o que se é construído socialmente como feminino (visto aqui no seu prisma transgressor que realiza rasuras na literatura marcada pelo patriarcalismo). Isso pode ser visto na forma que Anaïs Nin escreve sua literatura erótica, trazendo uma marca feminina em um campo que a tradição normalmente sempre foi visto como dominado pelos seres humanos do gênero masculino. Ela traz não só um olhar novo, mas uma expressão nova desse tipo de literatura.

E por trazer esse escrita feminina na criação literária se apresenta como uma literatura menor. Menor não por ser menos importante do que em relação aos escritos eróticos masculinos, mas expressão revolucionária da consciência e sensibildiade de uma minoria social. A literatura erótica de autoria feminina, como é a escrita por Anaïs Nin, desterritorializa da língua padrão “masculina” para reterritorializá-la através dos sentidos, tanto no na noção simbólica do significado como na noção física dos significantes. Também estabelece uma ligação seu imeditato-individual com o político, na medida que a estética também com os jogos de poder que existe na sociedade. E final, também se torna um agenciamento coletivo de enunciação quando essa literatura funciona como um meio de veiculação de ideias e significados da a minoria como um todo.

referências

ALEXADRIAN. A literatura erótica feminina. In: ALEXADRIAN, A história da literatura erótica. 2ª Ed. Tradução Ana Maria Scherer e José Laurênio de Mello. Rio de Janeiro: 

Rocco, 1993.


CASTELLO BRANCO, Lúcia. O que é escrita feminina. São Paulo: Brasiliense, 1991. (coleção Primeiros Passos v. 251)

DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. O que é uma literatura menor. In: DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. Kafka Por uma literatura menor. Tradução Cíntia Vieira de Silva. Belo Horizonte: Autêntica, 2015. Coleção Filô/Margens, pp 35-53.

FREITAS, Zilda Oliveira de. A literatura de autoria feminina. In: FERREIRA, Silvia Lucia e NASCIMENTO, Enilda Rosendo de (org). Imagens da mulher na cultura contemporânea. Salvador: NEIM/UFBA, 2002. Coleção Bahianas v.7, pp 115-123.

LAKOFF, Robin. Linguagem e lugar da mulher. In: FONTANA, Beatriz e OSTERMANN, Ana Cristina (org). Linguagem. Gênero. Sexualidade: clássicos traduzidos. São Paulo: Parábola Editorial, 2010. Coleção Lingua[guem] v.37, pp 13-30.

NIN, Anaïs. Delta de Vênus. Tradução Lúcia Brito. Porto Alegre: L&PM, 2006. Coleção L&PM Pocket, pp 84-95

NIN, Anaïs. Delta of Venus. Londres/Nova York: Penguin Book, 1990. pp 55-65

OLIVEIRA, Nelson de. Literatura feminina ou poética feminina? In OLIVEIRA, Nelson de. A oficina do escritor. Sobre Ler, Escrever e Publicar. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2008.

RICHARDS, Nelly. Diferença sexual, gênero e crítica feminista. In: RICHARDS, Nelly. Intervenções críticas: arte, cultura, gênero e política. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. (Série Humanitas v. 81), pp 125-172.

ZINANI, Cecil Jeanine Albert. Identidade e Subjetividade. In: ZINANI, Cecil Jeanine 

Albert. Literatura e gênero: a construção da identidade feminina. Caxias do Sul: Educs, 
2006, pp 19-48.






[1] Mestrando em Crítica Cultural pela UNEB – campus II. Especialista em Estudos Linguísticos e Literários pela UFBA. E-mail: ricardovidal@hotmail.com.br.

[2] No original em inglês “Clinical sex, deprived of all the warmth of love – the orchestration of all the senses, touch, hearing, sight, palate”, (NIN: 1990, p. ix). Fato contestado por Alexandrian, no seu livro “História da Literatura Erótica” (1994, p. 307): “estou convencido que o colecionador não existiu. Era um mito inventado por Anaïs Nin a partir de um mexerico de Henry Miller, um mito que lhe serviu de álibi para assumir sem culpabilidade seus fantasmas sexuais”.  Mais adiante no texto, Alexandrian cita Elizabeth Hardwick, afirmando que Anaïs Nin possuía “um apetite patológico para mistificação” e observam-se ou semelhanças entre uma psicanálise de grupo com as sessões de trabalho de Anaïs Nin e seus amigos na produção destas estórias eróticas a serem enviadas ao colecionador.

[3] No original em inglês “The more passive and undemonstrative he was, the more she wanted to do violence to him”, (NIN: 1990, p. 59).

[4] No original em inglês: “As I wrote in Volume III of the Diary, I had a feeling that Pandora’s box contained the mysteries of woman’s sensuality, so different from a man’s and for which man’s language was inadequate” (NIN: 1990, p. xiii)

[5] No original em inglês: “I believed that my sytle was derived from a reading of men’s works. For this reasom I long felt that I had compromised my feminine self” (NIN: 1990, p. xiii)

[6] Essa busca é mostrada no trecho “Porém, daquele momento em diante Lilith ficou obcecada pela ideía de que deveria haver meios artificiais de inflame-la. Tentou todas as fórmulas de que ouviu falar” (NIN: 2006, p. 82) [No original em inglês: “But from that moment Lilith was haunted by the idea that there might be always of arounsing herself artificialy. She tried all the formulas sher had heard about” (NIN: 1990, p. 54)]

[7] No original em inglês: “[I finally decided to release the erotica for publication because] it shows the beginning efforts of a woman in a world that had been the domain of men” (NIN: 1990, pp. xiii-xiv)

[8] No original em inglês: “His speech was tangled. He blushed. He was like a human, I thought” (NIN: 1990, p. 56)

[9] No original em inglês: “He had a faunish air and a feminine evasiveness which attracted me” (NIN: 1990, p. 57)

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