Cordel do Professor, do Aluno e do Burro
Para Flamínio Luís, velho amigo e personagem do causo
Valença, 09 de fevereiro de 2025
Era um tempo diferente,
Professor era “Autoridade”!
Direto para todos os alunos
Falava com tal severidade
Que ninguém ousava retrucar
Nos meus tempos de mocidade.
E foi no tempo da escola
A história acontecida.
Nessa época distante,
Da mocidade querida:
Tempo de sério respeito
E de piada divertida.
Carrasco da Cicatriz
Foi o nosso professor.
Homem sério e inteligente,
Dava aula com todo rigor.
Formava tanto cidadãos
Como povo trabalhador.
Ensinava-nos matemática,
A tal da trigonometria,
Determinante e logaritmo,
Plana e sólida geometria.
Tanto cálculos difíceis
Ele fazia com maestria.
A cada um ia aprendendo,
Segundo vontade e precisão
Para uns era mais fácil,
Já outros, pura irritação.
Todos se ralando na prova
Para não zerar a equação.
Então que numa tarde de sexta,
Aula seguia com tranquilidade.
O Mestre escrevia no quadro,
Um cálculo de tal dificuldade
(Tão enorme e tão complicado)
Que errar era fatalidade.
E o jovem poeta que fui,
Dos cálculos pouco afeito
Acabei errando a conta,
Mas errei de tal jeito
Que meu amigo alto disse:
“Que burro é o sujeito!”
Porém o professor ouviu
Do aluno a imprecação.
Achou que foi para ele
A insensata provocação,
Foi atravessando a sala
Para encarar o sem noção.
Olhando com severidade
Para o aluno atrevido
Perguntou a queima-roupa
“Sou eu burro encardido?”
“Acaso não sei calcular?”
“Teria eu emburrecido?”
O colega, grande amigo meu,
Começou a tremer e gaguejar.
Não sabia bem o que responder
Diante daquele rígido olhar.
Finalmente ele abriu a boca,
Com a resposta a balbuciar:
“Falava desse meu colega,”
"Esse aqui ao meu lado."
“Ele invertera os sinais!”
“Por isso que saiu errado”
“O cálculo do exercício,”
“Respondendo sem cuidado!”
Mas que eu havido dito
Bem na estrofe inicial,
Era um tempo diferente:
Quem tinha o verbo final
Era o professor regente!
Sua palavra, ordem imperial!
Então professor Carrasco,
Aproveitando o momento
Para dar lição de moral
Chamou de burro sarnento
O estudante falastrão,
Cessando o atrevimento.
A sala toda, sem restrição
Caíram todos na gargalhada!
Era um causo bom de contar
Essa inebriante patuscada,
Essa história para ficar
Na memória sempre guardada.
A tarde ainda não terminara
E a aula continuou o caminho.
Mais um cálculo foi feito,
Cálculo difícil e mesquinho
Cuja reposta certa era dura
Como a madeira do graminho.
Foi então que meu amigo,
Ainda tímido e penitente,
Deu a resposta da questão,
Sem saber se era prudente
Apresentar seus cálculos
De estudante “aborrescente”.
Infelizmente, infelizmente
A resposta estava errada.
O Carrasco da Cicatriz
Olhando com larga risada,
Aproveitando-se da situação
Para dar mais uma sapecada.
“Burro! Você que é burro”
“Que voltas que o mundo dar”
"Achincalhou o seu colega"
“E olhe quem acabou de errar?”
“Cuidado porque palavra dura”
"Contra seu lombo pode voltar!"
Meu colega ficou sem jeito,
Mas o que poderia ele fazer?
Aprendia então que respeito
E humildade devemos todos ter.
E que essa matemática difícil
Era o que de menos devemos temer.
Mas como a aula andava longa
E a tarde o turno prosseguia,
O tempo guardou melhor parte,
A parte de sua grande ironia,
Terminando em completa lição
Com divertida e grata epifania.
Na terceira conta vespertina
(Tarde quente, pois fazia calor),
Creio que fundiu as cabeças,
Inclusive a do nosso professor:
Ele se atrapalhou com um sinal,
Sinal errado, mas era redentor!
Meu colega, amigo velho e querido,
Viu naquela hora sua redenção!
Mostrando que também poderia errar
O mestre durante uma resolução.
E já se preparava para retribuir
(A seu modo) a recebida lição.
Só que o professor, precavido,
Foi mais rápido no seu matutar.
E antes que esse meu colega
Pudesse agora lhe retrucar,
Com bom humor e autoridade
Com risada se pôs logo a avisar:
“Pense! Pense, mas não diga!”
“Que eu ainda sou seu professor…”
“Errar é humano, isso é verdade!”
“Mas se erro, é por cansaço e calor”
“Respeito deve ser mantido sempre,”
“Se quiser, da vida ser vencedor!”
Esse meu colega, parado no ar,
Não esperava por aquela invertida.
Com cara de besta e de burro,
Recebia mais uma lição divertida.
Esse nosso professor tinha sempre
Uma resposta na manga escondida.
Sei que era um tempo diferente,
Sem resmungos, sem mimimi.
Professor falava reto, na lata!
Não havia o porquê de redarguir.
E nenhum estudante se chateava,
Antes aprendia na vida a prosseguir.
Muito tempo esse causo aconteceu,
Nos longínquos anos de estudante.
Eu e esse meu velho amigo querido,
Passamos para faculdades distantes.
Cada um seguiu seu rumo na vida,
Mantendo nossa amizade constante.
E por ironia desse destino sapeca,
Eis que nos tornarmos professores.
Ele, biologia. Eu, Língua Inglesa.
Tentamos pegar jovens promissores,
Transformando-os em cidadãos,
Mulheres e homens trabalhadores
* * *
Ficou o que de toda essa patuscada?
Logo todos vocês ficarão a perguntar…
A lembrança de uma grande gargalhada,
Memórias para na velhice poder contar.
Isso sim é o a vida pode nos regalar,
Nesse meandro de tantos causos e risadas.
Invenção não é, é a mais pura e crua verdade
O que contei nesse cordel de minha mocidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário