Sua Majestade, O Bardo

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Valença, Bahia, Brazil
Escritor, autor do livro "Estrelas no Lago" (Salvador: Cia Valença Editorial, 2004) e coautor de "4 Ases e 1 Coringa" (Valença: Prisma, 2014). Graduado em Letras/Inglês pela UNEB Falando de mim em outra forma: "Aspetti, signorina, le diro con due parole chi son, Chi son, e che faccio, come vivo, vuole? Chi son? chi son? son un poeta. Che cosa faccio? scrivo. e come vivo? vivo."

terça-feira, 11 de março de 2025

Cordel do Professor, do Aluno e do Burro

Cordel do Professor, do Aluno e do Burro

Para Flamínio Luís, velho amigo e personagem do causo


Valença, 09 de fevereiro de 2025


Era um tempo diferente,

Professor era “Autoridade”!

Direto para todos os alunos

Falava com tal severidade

Que ninguém ousava retrucar

Nos meus tempos de mocidade.


E foi no tempo da escola

A história acontecida.

Nessa época distante,

Da mocidade querida:

Tempo de sério respeito

E de piada divertida.


Carrasco da Cicatriz

Foi o nosso professor.

Homem sério e inteligente,

Dava aula com todo rigor.

Formava tanto cidadãos

Como povo trabalhador.


Ensinava-nos matemática,

A tal da trigonometria,

Determinante e logaritmo,

Plana e sólida geometria.

Tanto cálculos difíceis

Ele fazia com maestria.



A cada um ia aprendendo,

Segundo vontade e precisão

Para uns era mais fácil,

Já outros, pura irritação.

Todos se ralando na prova

Para não zerar a equação.


Então que numa tarde de sexta,

Aula seguia com tranquilidade.

O Mestre escrevia no quadro,

Um cálculo de tal dificuldade

(Tão enorme e tão complicado)

Que errar era fatalidade.


E o jovem poeta que fui,

Dos cálculos pouco afeito

Acabei errando a conta,

Mas errei de tal jeito

Que meu amigo alto disse:

Que burro é o sujeito!


Porém o professor ouviu

Do aluno a imprecação.

Achou que foi para ele

A insensata provocação,

Foi atravessando a sala

Para encarar o sem noção.


Olhando com severidade

Para o aluno atrevido

Perguntou a queima-roupa

Sou eu burro encardido?

Acaso não sei calcular?

Teria eu emburrecido?


O colega, grande amigo meu,

Começou a tremer e gaguejar.

Não sabia bem o que responder

Diante daquele rígido olhar.

Finalmente ele abriu a boca,

Com a resposta a balbuciar:


Falava desse meu colega,

"Esse aqui ao meu lado."

Ele invertera os sinais!

Por isso que saiu errado

O cálculo do exercício,

Respondendo sem cuidado!


Mas que eu havido dito

Bem na estrofe inicial,

Era um tempo diferente:

Quem tinha o verbo final

Era o professor regente!

Sua palavra, ordem imperial!


Então professor Carrasco,

Aproveitando o momento

Para dar lição de moral

Chamou de burro sarnento

O estudante falastrão,

Cessando o atrevimento.


A sala toda, sem restrição

Caíram todos na gargalhada!

Era um causo bom de contar

Essa inebriante patuscada,

Essa história para ficar

Na memória sempre guardada.


A tarde ainda não terminara

E a aula continuou o caminho.

Mais um cálculo foi feito,

Cálculo difícil e mesquinho

Cuja reposta certa era dura

Como a madeira do graminho.


Foi então que meu amigo,

Ainda tímido e penitente,

Deu a resposta da questão,

Sem saber se era prudente

Apresentar seus cálculos

De estudante “aborrescente”.


Infelizmente, infelizmente

A resposta estava errada.

O Carrasco da Cicatriz

Olhando com larga risada,

Aproveitando-se da situação

Para dar mais uma sapecada.


Burro! Você que é burro

Que voltas que o mundo dar

"Achincalhou o seu colega"

E olhe quem acabou de errar?

Cuidado porque palavra dura

"Contra seu lombo pode voltar!"


Meu colega ficou sem jeito,

Mas o que poderia ele fazer?

Aprendia então que respeito

E humildade devemos todos ter.

E que essa matemática difícil

Era o que de menos devemos temer.


Mas como a aula andava longa

E a tarde o turno prosseguia,

O tempo guardou melhor parte,

A parte de sua grande ironia,

Terminando em completa lição

Com divertida e grata epifania.


Na terceira conta vespertina

(Tarde quente, pois fazia calor),

Creio que fundiu as cabeças,

Inclusive a do nosso professor:

Ele se atrapalhou com um sinal,

Sinal errado, mas era redentor!


Meu colega, amigo velho e querido,

Viu naquela hora sua redenção!

Mostrando que também poderia errar

O mestre durante uma resolução.

E já se preparava para retribuir

(A seu modo) a recebida lição.


Só que o professor, precavido,

Foi mais rápido no seu matutar.

E antes que esse meu colega

Pudesse agora lhe retrucar,

Com bom humor e autoridade

Com risada se pôs logo a avisar:


Pense! Pense, mas não diga!

Que eu ainda sou seu professor…

Errar é humano, isso é verdade!

Mas se erro, é por cansaço e calor

Respeito deve ser mantido sempre,

Se quiser, da vida ser vencedor!


Esse meu colega, parado no ar,

Não esperava por aquela invertida.

Com cara de besta e de burro,

Recebia mais uma lição divertida.

Esse nosso professor tinha sempre

Uma resposta na manga escondida.


Sei que era um tempo diferente,

Sem resmungos, sem mimimi.

Professor falava reto, na lata!

Não havia o porquê de redarguir.

E nenhum estudante se chateava,

Antes aprendia na vida a prosseguir.


Muito tempo esse causo aconteceu,

Nos longínquos anos de estudante.

Eu e esse meu velho amigo querido,

Passamos para faculdades distantes.

Cada um seguiu seu rumo na vida,

Mantendo nossa amizade constante.


E por ironia desse destino sapeca,

Eis que nos tornarmos professores.

Ele, biologia. Eu, Língua Inglesa.

Tentamos pegar jovens promissores,

Transformando-os em cidadãos,

Mulheres e homens trabalhadores


* * *


Ficou o que de toda essa patuscada?

Logo todos vocês ficarão a perguntar…

A lembrança de uma grande gargalhada,

Memórias para na velhice poder contar.

Isso sim é o a vida pode nos regalar,

Nesse meandro de tantos causos e risadas.

Invenção não é, é a mais pura e crua verdade

O que contei nesse cordel de minha mocidade.


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