Sua Majestade, O Bardo

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Valença, Bahia, Brazil
Escritor, autor do livro "Estrelas no Lago" (Salvador: Cia Valença Editorial, 2004) e coautor de "4 Ases e 1 Coringa" (Valença: Prisma, 2014). Graduado em Letras/Inglês pela UNEB Falando de mim em outra forma: "Aspetti, signorina, le diro con due parole chi son, Chi son, e che faccio, come vivo, vuole? Chi son? chi son? son un poeta. Che cosa faccio? scrivo. e come vivo? vivo."

terça-feira, 11 de março de 2025

Cordel do Professor, do Aluno e do Burro

Cordel do Professor, do Aluno e do Burro

Para Flamínio Luís, velho amigo e personagem do causo


Valença, 09 de fevereiro de 2025


Era um tempo diferente,

Professor era “Autoridade”!

Direto para todos os alunos

Falava com tal severidade

Que ninguém ousava retrucar

Nos meus tempos de mocidade.


E foi no tempo da escola

A história acontecida.

Nessa época distante,

Da mocidade querida:

Tempo de sério respeito

E de piada divertida.


Carrasco da Cicatriz

Foi o nosso professor.

Homem sério e inteligente,

Dava aula com todo rigor.

Formava tanto cidadãos

Como povo trabalhador.


Ensinava-nos matemática,

A tal da trigonometria,

Determinante e logaritmo,

Plana e sólida geometria.

Tanto cálculos difíceis

Ele fazia com maestria.



A cada um ia aprendendo,

Segundo vontade e precisão

Para uns era mais fácil,

Já outros, pura irritação.

Todos se ralando na prova

Para não zerar a equação.


Então que numa tarde de sexta,

Aula seguia com tranquilidade.

O Mestre escrevia no quadro,

Um cálculo de tal dificuldade

(Tão enorme e tão complicado)

Que errar era fatalidade.


E o jovem poeta que fui,

Dos cálculos pouco afeito

Acabei errando a conta,

Mas errei de tal jeito

Que meu amigo alto disse:

Que burro é o sujeito!


Porém o professor ouviu

Do aluno a imprecação.

Achou que foi para ele

A insensata provocação,

Foi atravessando a sala

Para encarar o sem noção.


Olhando com severidade

Para o aluno atrevido

Perguntou a queima-roupa

Sou eu burro encardido?

Acaso não sei calcular?

Teria eu emburrecido?


O colega, grande amigo meu,

Começou a tremer e gaguejar.

Não sabia bem o que responder

Diante daquele rígido olhar.

Finalmente ele abriu a boca,

Com a resposta a balbuciar:


Falava desse meu colega,

"Esse aqui ao meu lado."

Ele invertera os sinais!

Por isso que saiu errado

O cálculo do exercício,

Respondendo sem cuidado!


Mas que eu havido dito

Bem na estrofe inicial,

Era um tempo diferente:

Quem tinha o verbo final

Era o professor regente!

Sua palavra, ordem imperial!


Então professor Carrasco,

Aproveitando o momento

Para dar lição de moral

Chamou de burro sarnento

O estudante falastrão,

Cessando o atrevimento.


A sala toda, sem restrição

Caíram todos na gargalhada!

Era um causo bom de contar

Essa inebriante patuscada,

Essa história para ficar

Na memória sempre guardada.


A tarde ainda não terminara

E a aula continuou o caminho.

Mais um cálculo foi feito,

Cálculo difícil e mesquinho

Cuja reposta certa era dura

Como a madeira do graminho.


Foi então que meu amigo,

Ainda tímido e penitente,

Deu a resposta da questão,

Sem saber se era prudente

Apresentar seus cálculos

De estudante “aborrescente”.


Infelizmente, infelizmente

A resposta estava errada.

O Carrasco da Cicatriz

Olhando com larga risada,

Aproveitando-se da situação

Para dar mais uma sapecada.


Burro! Você que é burro

Que voltas que o mundo dar

"Achincalhou o seu colega"

E olhe quem acabou de errar?

Cuidado porque palavra dura

"Contra seu lombo pode voltar!"


Meu colega ficou sem jeito,

Mas o que poderia ele fazer?

Aprendia então que respeito

E humildade devemos todos ter.

E que essa matemática difícil

Era o que de menos devemos temer.


Mas como a aula andava longa

E a tarde o turno prosseguia,

O tempo guardou melhor parte,

A parte de sua grande ironia,

Terminando em completa lição

Com divertida e grata epifania.


Na terceira conta vespertina

(Tarde quente, pois fazia calor),

Creio que fundiu as cabeças,

Inclusive a do nosso professor:

Ele se atrapalhou com um sinal,

Sinal errado, mas era redentor!


Meu colega, amigo velho e querido,

Viu naquela hora sua redenção!

Mostrando que também poderia errar

O mestre durante uma resolução.

E já se preparava para retribuir

(A seu modo) a recebida lição.


Só que o professor, precavido,

Foi mais rápido no seu matutar.

E antes que esse meu colega

Pudesse agora lhe retrucar,

Com bom humor e autoridade

Com risada se pôs logo a avisar:


Pense! Pense, mas não diga!

Que eu ainda sou seu professor…

Errar é humano, isso é verdade!

Mas se erro, é por cansaço e calor

Respeito deve ser mantido sempre,

Se quiser, da vida ser vencedor!


Esse meu colega, parado no ar,

Não esperava por aquela invertida.

Com cara de besta e de burro,

Recebia mais uma lição divertida.

Esse nosso professor tinha sempre

Uma resposta na manga escondida.


Sei que era um tempo diferente,

Sem resmungos, sem mimimi.

Professor falava reto, na lata!

Não havia o porquê de redarguir.

E nenhum estudante se chateava,

Antes aprendia na vida a prosseguir.


Muito tempo esse causo aconteceu,

Nos longínquos anos de estudante.

Eu e esse meu velho amigo querido,

Passamos para faculdades distantes.

Cada um seguiu seu rumo na vida,

Mantendo nossa amizade constante.


E por ironia desse destino sapeca,

Eis que nos tornarmos professores.

Ele, biologia. Eu, Língua Inglesa.

Tentamos pegar jovens promissores,

Transformando-os em cidadãos,

Mulheres e homens trabalhadores


* * *


Ficou o que de toda essa patuscada?

Logo todos vocês ficarão a perguntar…

A lembrança de uma grande gargalhada,

Memórias para na velhice poder contar.

Isso sim é o a vida pode nos regalar,

Nesse meandro de tantos causos e risadas.

Invenção não é, é a mais pura e crua verdade

O que contei nesse cordel de minha mocidade.


Álgebra Pueril

 

Álgebra Pueril


BA 001, 09 de março de 2025


Enquanto a viagem serpenteava o asfalto da estrada.

Uma criança,

                     para passar o tempo,

Divertia-se fazendo continhas de somar:

   +          01 infinito mais,

+ + +      04 infinito mais,

   +         10 infinito

      É um bocado de infinitos!…


*           *           *


Na sua santa e pequena inocência,

               a criança respondia com elegância e precisão

                                   A equação primordial da tristeza humana


domingo, 10 de março de 2024

Eterna Tentação

 Eterna Tentação


Valença, 23 de agosto de 2021


O sentimento em número se transforma

Tens que caber nessa sequência

Pois obedeces a uma fixa forma.

Morte do Soneto – Ray Almeida


Lá fora, detrás da janela, explode o luar,

Com sua coleção de tulipas e nenúfares.

Explodem algaravias, amores e quasar;

Inspiração surgindo pelas veias e lugares.


Sento-me na escrivaninha, contemplo estelar

Paisagem para sonhos loucos e invulgares.

Busco a poesia que inflama todo esse ar,

Com sua coleção de fogueiras nos altares.


Minhas mãos ardem p’ra escrever o poema:

Não me falta vernáculo, pergaminho e tema.

Só me falta a forma p’ra expressar a canção.


Contudo, apesar conhecer tanto meu ofício,

Nunca escapo dessa armadilha do artifício:

Escrever um soneto é uma grande tentação…


Uma Tarde Qualquer…

Uma Tarde Qualquer…


Valença; 18 de outubro de 2023


Nas confusas redes do seu pensamento,

Prendem-se obscuras medusas.

Morta cai a noite com o vento.

Marinheiro sem mar – Sophia de Mello Breyner Andresen


O poeta Melhor bebeu suas casas

em todos os bares da cidade,

a cada trago uma porta, uma janela:

em cada poema acolhia a arte.

O poeta Melhor – Aleilton Fonseca


I

Um céu azul,

Quase anil…

Um céu límpido

De fim de tarde,

Onde os sonhos voam

Pelos tons pálidos

Dessa imensidão,

Como fantasmas gélidos de nuvens. 


Um céu azul,

Quase anil… 

Um céu sólido

Antecedendo

O crepúsculo,

Onde velhas mágoas

Velejam singelas

Pela imensidão,

Como sinos tenebrosos do passado.


Um céu azul,

Quase anil…

Um céu mágico

De feérico arrebol,

Onde a esperança

Graceja vistosa

Pela imensidão,

Como um arcanjo perdido no tempo.


II

Mas nesse céu azul,

Em que todos os poemas

Olha para mim e conspiram,

Poemas que perscrutam

Meu coração sossegado,

Ficam a me perguntar

Quando começarei a recolher

Esses sonhos esparramados,

Essas mágoas escondidas,

Essas esperanças dispersas,

E deixarei a poesia fazer sua catarse

Com todo esse material abundante

Que se oferece para meu versejar.


Mas hoje eu estou cansando,

Estou muito cansado da vida

E das grandes perguntas

Que movem o universo!

Na mesa boêmia do bar,

Quero apenas contemplar

Os mistérios das musas

E os feitiços das mulheres.

Os sonhos? As mágoas?

Es esperanças? Elas que esperem

Um outro poema para serem cantadas.


Hoje, em meio a uma anônima tarde

De um século de líquidas emoções,

Ficarei sozinho nessa minha mesa do bar,

Admirando como um poeta profissional

As ousadas curvas femininas,

Sob esse céu azul, quase anil…


Sermões sobre o Século XXI

Sermões sobre o Século XXI

Valença, 15 de novembro de 2023

Aqui tudo parece
Que era ainda construção
E já é ruína
Tudo é menino, menina
No olho da rua
O asfalto, a ponte, o viaduto
Ganindo pra lua
Nada continua (…)
Alguma coisa
Está fora da ordem
Fora da Ordem - Caetano Veloso

I
Século XXI, eis que você se apresentada…
Não estamos viajando pelas estrelas
Nem correndo com carros atômicos.
Ainda não escravizamos os robôs,
Não alcançamos o ócio libertador,
Não respeitamos o seio de Mãe Gaia,
Não alcançamos a harmonia mundial,
Não falamos a língua dos anjos e dos homens,
Não achamos a cura do câncer e da maldade,
E nem alcançamos o fim do flagelo da fome.
A Utopia de Aquário não chegou
E mesmo assim você, Século XXI, se apresenta
Como um pesadelo vampírico de modernidade.
E o que você tira de sua cartola?

II
A palavra é o emoji
E ela perdeu o seu sentido.
O que somente importa é:
A tela piscando!
O corte dos vídeos!
A postagem do twitter!
O espaço instagramável!
A obsolescência programada!

Mas nós perdemos a poesia de uma borboleta
Cruzando o vento como uma bailarina graciosa.
Perdemos a sabedoria de se esperar alguns minutos
E assim não entendemos a lentidão de uma semente.
Não temos resiliência e não conseguimos compreender 
A alternância entre tempestades e calmarias nas marés.

Tudo é jovem e contemporâneo, 
tudo é líquido e instantâneo.
E ainda assim é ruína sem sentido.

E por mais que se traduza os genomas complexos,
Por mais que enlace o planeta com fibras ópticas,
Por mais que todos estejam conectados em rede,
O que existe é a solidão de uma vida inútil,
Guerras sempre florescendo nas periferias
E Cérberos telemáticos dilapidando a esperança.

III
Mas mesmo assim,
No meio desse deserto de bits e bytes,
Uma flor rebelde ousa
Erodir as telas dos celulares:
Ela anunciará minha sonhada aurora,
Despertar escarlate de fraternidade e empatia.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Lugares mágicos



Alguns lugares nas ficção mereciam existir na vida real... São como pátrias perdidas de um  coração exilado. Por exemplo:


  • Pasárgada (aquela de de Manuel Bandeira)
  • Capital do Planeta Eternia, Castelo de Graysskull e a Montanha da Serpente
  • Os planetas da série Duna
  • A cidade de Innsmouth (Lovecraft)
  • Sítio do Picapau Amarelo
  • Asteroide B612
  • Os planetas da série Star Trek (especialmente Vulcano)
  • Os planetas da série Star Wars
  • A Ilha Paraíso / Themiscyra (Mulher Maravilha)

Relação de meus livros em 2024

Relação de livros de Ricardo Vidal 
(14 de fevereiro de 2024 - Noite de São Valentino)

Livros prontos para publicação

  1. Estrelas no Lago (poesia) - publicado em 2004. 2º edição aumentada 
  2. Brumas no Lago (poesia)
  3. Torre de Quimeras (poesia)
  4. ** Pergaminhos Bárbaros (reunião dos três livros citados logo acima) - no prelo
  5. Sombras do Luar (poesia)
  6. Flores do Outono (poesia)
  7. ** Papiros Exóticos (reunião dos dois livros citados logo acima)
  8. Fogos de Beltane (poesia)
  9. Ouroboros de Mármore e Cedro (poesia)
  10. ** Palimpsetos Selvagens (reunião dos dois livros citados logo acima)
  11. Farois além do Tempo (poesia)
  12. Jardim de Estrelas (poesia)
  13. ** Papeis Peregrinos  (reunião dos dois livros citados logo acima)
  14. Codex Arcanun (reunião de poemas ligado ao Ciclo das Ninfas)
  15. Polígonos: contos e estórias (contos)
  16. Prosas Bárbaras (miscelânia de crônicas, poemas em prosa, crítica e notas)
  17. Grilhões de uma Época Insana (roteiro de curta-metragem)
  18. Um Retrato na Parede (monólogo teatral)
  19. *** Códice Vidaliano I (reunião de todos meus poemas)
  20. *** Códice Vidaliano II (reunião de meus textos em prosa e teatro)

Livros semi-prontos, faltando revisão final

  1. Peregrino en una Noche sin Luna (poesia - inglês e castelhano)
  2. Dicionário da Literatura do Baixo Sul da Bahia (dicionário literário)
  3. Uma Literatura em Supernova e outros Ensaios (ensaios de literatura e crítica cultural)
  4. Até Segunda Ordem (monólogo teatral)
  5. As Corujas de Frei Ethereld (peça teatral)

Fragmentos de livros

  1. Encruzilhada (romance)

Sugestão de capas de livros










 

Sete anos depois...

 A vida deu muitas voltas e hoje eu apareço no meu velho castelo. Tantas teias de aranhas, tanta poeira. E ainda assim, sinto que aqui é o meu lugar...



terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Encruzilhada - Prologo

ENCRUZILHADA - Romance de amarguras e desencantos

 DEZEMBRO DE 2005 (Prólogo)

A VENEZUELA ENTRA COMO MEMBRO 
PERMANENTE NO MERCADO COMUM DO SUL 


– Quem nasce em Passagem das Antas é o que? Só pode ser um ANTÔnio. – Não havia um encruzilhadense (ou mesmo alguém do Norte de Pindorama) que não iria rir esse chiste com o antigo nome da cidade. Ele ficava engraçado quando era dito por Hector, tetraneto do fundador da cidade, Coronel Antônio Dantas. E o cúmulo do humor era quando Hector a contava no momento que seu primo paterno, Antônio Dantas Porto, servia aos comensais o Filé Alto e os mojitos, no terraço iluminado do Bistrô Port Antoine, tendo o Rio das Antas à frente.

– Vá procurar um jegue viúvo na praia, Barão. – Antônio jocosamente ralhou com seu primo e se virou para Rosinha – Como é que você guenta essa disgrama inútil em casa? Você… (Preste atenção, Rosinha. Muita atenção no vou te dizer) VOCÊ merece o CÉU! PORQUE conviver com Barão todo dia deve ser dose pra LEÃO! Seu caso é de canonização imediata e súbita em vida!…Você será Santa Rosinha da Paciência Infinita! – e ao final, persignou a mesa como se fosse um frade abençoando a gulodice alheia.

A mesa toda explodiu em gargalhada. Artur, filho do casal, quase se engasgou enquanto dava a primeira mordida no filé. Ângelo virou-se timidamente de lado para rir, escondendo malmente o rosto como se tivesse vergonha em se divertir com a chalaça. Aníbal jogou a cabeça para trás esmurrando repetidamente a mesa enquanto gargalhava histrionicamente. Rosinha encarou zombeteiramente o marido e deu-lhe um beijo, dizendo entre risos e carinhos:

– Liga não, meu Aristogato, que sempre estarei em sua vida, aconteça o que acontecer. E se eu te aguentei até agora, posso te aguentar mais alguns anos! Minha paciência é infinita, não é?! – e afagava a cabeça do marido.

Hector olhou cinicamente para seu primo (que já se retirava para atender as outras mesas do Bistrô), mirou para cada um dos comensais na mesa, encarou especialmente o filho (que ainda chorava de rir enquanto tossia ao mesmo tempo) e sem nenhuma outra opção, também soltou sua gargalhada serena. Não haveria nada naquele momento que poderia mudar seu humor naquele jantar de fim de ano. Depois de mais de dez anos a “confraria” voltava a se reunir em Encruzilhada.

Hector de Aragão Dantas e Fonseca fora o último a se restabelecer em Encruzilhada, com o falecimento de pai em julho de 2005. Antes dele, Dr. Aníbal Barcelos de Cartaxo trabalhava na ala psiquiátrica da Santa Casa de Misericórdia de Encruzilhada desde dezembro de 2004, após seu pai, Amílcar Barcelos (atual provedor da Santa Casa) manobrar as contratações de forma satisfazer a vontade do filho que teimava em voltar para lá. Ângelo Mitrani Angelini fora o primeiro a retornar, pois desde 2003 trabalhava como funcionário concursado na terceira Inspetoria Estadual de Educação e Cultura.

A conversa seguia tranquila na mesa. Hector se sentara, na cabeceira, ficando sua esposa Rosinha no flanco direito e seu filho Artur no flanco esquerdo. Comentava animado sobre a consequência da entrada da Venezuela no Mercosul como membro permanente.

Hector emanava uma liderança natural na mesa, com seus 90 Kg distribuídos em corpo levemente roliço de 1,72m. Não negava o sangue – afinal, era o último de várias gerações de políticos e notáveis da história da Encruzilhada, tanto pelo lado materno quanto paterno. Do pai, Dr. Marco Aurélio del Pilar Fonseca, era descendente primogênito (de linha sempre pura e varonil) da família de Pitágoras Pancrácio Barros da Fonseca, o heleníssimo Barão da Fonseca – magistrado e fazendeiro capixaba que se estabelecera na região pelas calendas de 1887. Desse tronco se entroncam os principais intelectuais progressistas da cidade. Da mãe, D. Cleópatra de Aragão Dantas, era cria do venerando Coronel Antônio Santiago Dantas (também conhecido como Antônio “das Antas” pelos seus adversários políticos), militar e fazendeiro baiano que em 1885 comprou a Fazenda da Passagem e fez construir em Rio de Antas uma capela votiva para Santo Antônio – ponto de partida do município de Encruzilhada e do clã que a governou por mais tempo. Era irônico imaginar que, apesar do barão e do coronel serem concunhados, ambos geraram duas greis antagônicas na política local, cuja reconciliação deu-se em 1968, quando o varão dos Fonseca se casou com a princesa dos Dantas (embora continuasse, de forma latente, a velha divisão partidária entre “Gregos” liberais – que seguiam a família Fonseca – e “Antas” conservadores – que seguiam a família Dantas). O próprio Hector, na época de estudante, mostrou suas qualidades no movimento secundarista, como presidente da União Municipal dos Estudantes Secundaristas e do Grêmio Estudantil Olga Benário Prestes, do Colégio Batista de Encruzilhada – além de ser presidente da seção local da Juventude Socialista do PDT. No entanto, a despeito dessas paixões atávicas que animavam sua índole, ele é um homem centrado, calculista e cordial, mais voltado a outros desafios que atiçasse sua mente, como é, atualmente, modernizar a velha Fazenda do Barão, que ele e seus meios-irmãos gêmeos Igor e Ivan Oliveira da Fonseca herdaram. Por hora, sentia-se feliz em comandar aquele jantar.

Sentado ao lado de Rosinha estava Ângelo, com um sorriso melancólico e olhar funéreo no canto do rosto taciturno. Mesmo com a risada e estando entre velhos amigos, era o menos descontraído e por isso mesmo era quem mais bebia os mojitos. Mas esse silêncio terminou quando começou a citar de memória várias informações referentes ao Mercosul: Declaração de Foz de Iguaçu; Tratado de Assunção; Protocolos de Brasília, de Olivos e de Ouro Preto; estrutura da organização; índices socioeconômicos, relações com a Comunidade Andina. Também fez análises da relação do Mercosul com a natimorta Área de Livre Comércio das Américas e a Alternativa Bolivariana para as Américas e ponderações ideológicas sobre a entrada de Chávez no grupo. Por essas e outras que Artur chamava Ângelo de Tio Google.

 Ângelo tem sangue italiano por parte de pai e judeu sefardita por parte de mãe, distribuído em um corpo delgado, com traços de um moreno mediterrâneo e rosto levantino. Cresceram sob a égide de uma educação tradicionalista, castradora e rígida, às vezes com uma frieza nas relações interpessoais que deixou cicatrizes em sua alma sensível. Nascera para ser um intelectual e sempre procurou se cercar de livros, mas trazendo o sinal indelével de que viveria em um permanente exílio pessoal. Da mãe, Esther Malka Mitrani, descendente de judeus mortos durante a Segunda Guerra Mundial, trazia a melancolia dos guetos e a resignação de quem nunca foi bem vista pela família do marido. O pai, Dante Borges Angelini, homem honrado e trabalhador, sempre teve a necessidade de se firmar como um chefe da família autocrata, através de atos duros e paternalistas, economia nos elogios e fartura nas críticas. Tentava assim contrabalancear a educação mais refinada que sua esposa, de certa forma, passava para seu filho único – Dante queria moldá-lo a sua imagem e semelhança, nas virtudes, e nos vícios, nem que fosse a marteladas. Diante disso que Ângelo escondia sua tristeza sendo a pessoa prestativa e sempre transmitindo otimismo para seus amigos. Essa generosidade poderia ser vista na forma como compartilhava suas informações na mesa: sem ser pedante, mas preciso nos dados. E humilde em reconhecer algum equívoco cometido.

Sentando em oposição a Ângelo, Aníbal segurava seu copo de mojito como uma pantera sedutora. Discretamente se inclinava para a direita e fazia sutis meneios de cabeça, para observar com mais calma outra mesa atrás de Hector, onde duas onças pintadas no cio também o despiam com desejo – esperando o momento certo do bote. Mas, como bom mestre dos encantos, Aníbal disfarçava a caçada e intervia nas conversas trazendo sempre uma visão diferente, inovadora. Conjecturou sobre uma possível evolução do Mercosul como União da Nações Sul-Americanas, mostrando as possibilidades de, em curto prazo, a Bolívia vim a pedir sua admissão no bloco, em lugar da ALBA do Chávez.

Aníbal era o único dos amigos que não nasceu realmente em Encruzilhada. Era rebento de Nova Lisboa, cidade das Serras Ocidentais de Pindorama, mas viera para lá ainda criança, quando seu pai assumiu um cargo na Secretaria Municipal de Saúde na cidade vizinha de Senador Sena. Sendo um filho de autoridade, sempre teve o comportamento mais rebelde dentro da turma, sinal claro de um espírito livre que propunha as maiores aventuras para a “confraria”, convencendo a todos com seu jeito magnético. Não tendo o senso de liderança de Hector e nem a vastidão intelectual de Ângelo, Aníbal completava a troika com sua criatividade e sua sedução inata. Isso acontecia naquele momento, o mesmo tempo que embebecia a todos na mesa com seu discurso e atraia a atenção das garotas da mesa vizinha.
A conversa seguia animada sobre atualidades quando Antônio Porto voltou para a mesa trazendo uma bomba. Limpou a mão no avental e pegou uma cadeira vazia de uma mesa próxima para se sentar com o grupo. 

– Vocês que sempre se meteram em política e são do partido do governador, acabei de ouvir uma notícia de primeira mão. Olhe só: Tanto o prefeito Adolfo Somoza como seu vice Benito Franco, os dois foram CASSADOS! Já saiu no diário oficial o pé na bunda do Grego! E se acha que falta pimenta no vatapá, preparem a goela: O ministério público acatou as denúncias de crime eleitoral contra o OUTRO candidato, Ananias César Mourão, que corre o risco de, SE assumir, NÃO concluir o MANDATO! Já pensou como deve está fervilhando o Covil das Antas, ao ver que mesmo ganhando, não levarão a prefeitura? – E se aproximou de Hector, falando mais baixo e perguntou seriamente para o primo – E aí, Barão? Caso também o Malvado Ananias seja degolado pela justiça eleitoral, como ficará Encruzilhada nessa história toda? Será que o candidato do seu petezão, que ficou com menos votos que os brancos e nulos, assumirá a prefeitura? Ou será que a eleição será anulada? Dizem que por aí que isso tem dedo de Trajano Nunes com vistas na reeleição do ano que vem…

Nessas horas os olhos dos três amigos brilharam… Nunca imaginaram uma situação dessas na pacata e previsível vida encruzilhadense, em que grego e antas, pela primeira vez na história, estarão fora da prefeitura. O ritmo da conversa foi toda voltada para as análises e implicações daquela notícia. E não era para menos: o ano de 2004 ficou marcado com o da eleição municipal mais tumultuada em Encruzilhada, recheada de denúncias e acusações mútuas e lances rocambolescos que tornava impossível não haver um segundo ou terceiro turno na justiça. E os possíveis cenários que se vislumbravam para 2006, resultantes do desdobramento das ações do Judiciário, abriam um leque sedutor para o xadrez verbal que os amigos sempre cultivaram entre si. Apenas Artur ouvia isso com indisfarçado tédio adolescente de quem está cansado de presenciar as intermináveis conversas sobre política entre pai e seus tios emprestados…

…………………………………………

O terraço continuava iluminando pela lua cheia e pelos holofotes na porta do sobrado colonial onde o Bistrô Port Antoine fora instalado. No primeiro andar funcionava a cozinha, o escritório e o restaurante VIP, enquanto no térreo onde ficavam o lounge, o bar, a pista de dança e o pequeno palco para os músicos e eventuais comediantes de stand up que Antônio contratava, para animar a casa e dar um pequeno ar de sofisticação à cidade. E por não ter concorrentes a altura, o Bistrô Port Antoine era onde desfilava a pequena elite tacanha e provinciana de Encruzilhada. 

Morgana Malaparte Macieira, diretora geral do Hospital da Santa Casa de Misericórdia (motivo pelo qual passou a ser chamada de Doutora Macieira na cidade, não obstante seja apenas Mestra em Saúde Coletiva), entrava no restaurante junto com seus três filhos – Jessé, José e Joana, vindos da missa, para tomar seu imutável caldo verde das noites de sexta-feira. Ao avistar Aníbal no terraço, falsamente o cumprimentou com morna alegria. Porém, ao ver Dr. Segismundo Frota saindo com uma de suas “sobrinhas da capital”, ela largou de mão sua habitual dissimulação, saudando friamente o seu rival. Por isso que Morgana prontamente se apressou a sentar-se numa cadeira no fundo do bistrô e agradeceu a Deus que Dr. Frota já estivesse de saída naquele momento. Para ela, partilhar o ambiente social com ele era como macular sua putativa imagem de santa esposa fiel, cujo marido trabalha na extração de petróleo em alto mar, pela Petrobrás.

Dr. Segismundo Frota, chefe da ala psiquiátrica do Hospital, acabara de sair do restaurante e quase que se persignou (embora fosse um agnóstico convicto) quando vira sua adversária no ambiente de trabalho. Discretamente, tomou a pílula azul e um antiácido – afinal, até a visão dela lhe provocava azia e disfunção erétil. Não, ele não iria se permitir que Morgana estragasse sua noite – afinal, pagara caro pelas acompanhantes. Seus modos sinceros não se coadunavam com a hipocrisia e o arrivismo de Morgana, de quem sabia o quão maquiavélica poderia ser no uso despudorado do corpo para conseguir seus objetivos. Logo ele, que fora contratado a peso de ouro exatamente pelo seu currículo médico, não pelas horas de cama bajulando alguém. No mais, era um dos poucos da cidade que se dava ao luxo de beber boas garrafas de vinho no Bistrô e pedir os pratos mais sofisticados, como um jambalaya ou fricassê de mariscos. Constantemente trazia prostitutas de luxo da capital, que contratava para passar alguns finais de semana com ele. Segismundo não teria motivo nenhum em admitir de que usava esses serviços (afinal, estava divorciado e livre), mas aprendeu rápido como funcionava a hipocrisia da cidade, assumindo então o papel de tio liberal e generoso, a receber as muitas “sobrinhas” para visitas de “aconselhamento”, caso que não quisesse aborrecimento.

Luísa Campos de Oliveira, na condição de nova viúva alegre da cidade, estava sorvendo seu cappuccino em uma mesa solitária no fundo do bistrô – estrategicamente distante do seu enteado Hector. Benito Franco, ainda usufruindo seus últimos instantes como vice-prefeito, a observava de longe. Pouco importava se ela era a viúva de seu padrinho político, (falecido em julho desse ano), ou que ele era casado – ele queria meter as mãos e outras coisas naquele corpo lindo de mulher madura, queria gozar dos prazeres mundanos e secretos com aquela potranca ancuda. Os dois, discretamente, mantinha uma comunicação pelo olhar e planejavam o encontro clandestino a ser realizado mais tarde, em algum rendez-vous.

Acácio Silva dos Santos, chefe da Inspetoria Estadual de Educação e Cultura, se mostrava perdido dentro bistrô. Ele se contentaria em comer pizza de presunto na Firenze’s ou mesmo uma boa moqueca de cação no Restaurante do Quinha. Mas a sua esposa queria porque queria está lá, no meio daquele simulacro de high society e lá se encontrava, sem saber se escolhia o diabo do filé alto ou do fica-não-sei-o-quê de camarão. Sentia falta de sua cerveja Urso Polar de dois contos, que costuma beber no cais, na hora do almoço. E não iria se demorar no Bistrô, pelo jeito que andava o jantar…

Os donos do Colégio Batista de Encruzilhada, professores Maria dela Fiori Angelini Brasil e Francisco Moura Brasil entraram no bistrô e foram falar com os ex-alunos no terraço. No sobrinho Ângelo, o abraço foi mais forte que nos demais e ainda teve direito a apertão na bochecha. Mas Ângelo não se enganou com a rara afetuosidade de seus tios paternos. Menos que os laços de sangue que os donos do colégio pregam, era mais a necessidade de uma certidão na Inspetoria que impelia essa exagerada demonstração pública de apreço. Na outra semana ele trataria o assunto com calma, embora sua ética profissional condenasse o uso desses artifícios. E viu sua tia se sentar longe, já esquecida da presença do sobrinho no ambiente.

Os representantes do Estaleiro Álvaro de Campos, Sr. Reis e Sr. Caeiro, estavam em uma mesa no canto, em um jantar de negócios com Zeca Brito, presidente da Câmara de Vereadores de Encruzilhada, discutindo a instalação do empreendimento na cidade. Eles estavam cientes das mudanças políticas que Encruzilhada passaria, por isso que começavam a procurar outros interlocutores no município, para negociar a instalação do empreendimento e disputas pequenas de poder não poderiam contaminar a transação. A cidade foi uma escolha estratégica: uma boa enseada dos Frades, onde fica a foz do Rio das Antas e, além da cidade ter um porto fluvial de médio porte, a enseada fica próxima ao Terminal Marítimo Norte de Porto Real. Contratempos advindos de mesquinharias políticas de província não poderia atrasar esse empreendimento. Logo, os executivos do Estaleiro tentavam um acordo com a pessoa influente mais estável do poder municipal no momento, caso necessitassem de algum “favor extra”. O jeito simplório e sincero do vereador social-cristão davam esperanças para esses executivos. Afinal, um dos poderes mostrava mais facilmente influenciável em prol da instalação da indústria – principalmente diante das maletas de suborno.

Os pais de Aníbal, Dr. Amílcar Barcelos de Cartaxo e D. Helena Torres Barcelos de Cartaxo, estavam na capital do estado, participando de um evento com o secretário estadual de saúde. Por isso que os colares e brincos de D. Helena não reluziram naquele dia no salão de dança do bistrô, como eles costumam ostentar toda a semana naquele ambiente. Não reafirmarão discretamente e pela enésima vez o fato de que, por serem de outra cidade, já era condição mais do que suficiente para estarem em uma situação diferenciada aos demais matutos daquela província. Mas não era nada que manchasse a carreira de filantropos beneméritos que os Barcelos de Cartaxo consolidaram junto à sociedade encruzilhadense.

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A lua, no seu zênite, indicava que já chegara à meia-noite, hora do feitiço se desfazer e da carruagem voltar a ser abóbora. No bistrô restavam as mesas de Hector, Ângelo e Aníbal e a das duas onças pintadas. Encruzilhada era uma cidade ingrata aos boêmios e os meninos ainda não se acostumaram com essa realidade. Aliás, se deram por achados que Antônio Porto montou um restaurante que está mais próximo ao que frequentavam em Santa Cruz e Porto Real, na época que estudaram nas universidades. Muitos outros hábitos eles ainda se amoldando, alguns com falta de vontade, outros, com tranquilidade.
Com as contas devidamente pagas, Aníbal chamou Ângelo:

– Deixe que eu te leve para casa, Angelini. Entre aqui no meu calhambeque, que é caminho para mim.

– Obrigado, obrigado, mas prefiro seguir pela rua. –Ângelo declinava do convite, ainda envergonhado – Eu preciso caminhar um pouco e essa hora da noite a cidade é mais tranquila… Depois, vi seus olhares… para a outra mesa. Não, não que-quero te atrapalhar.

– Por isso mesmo que eu QUERO que você venha COMIGO – retornou insistente Aníbal – São duas mulheres lindas. Dá para dividirmos muito bem entre nós dois, sem problema…

Uma parte de Ângelo até queria ir com o amigo, mas a timidez era maior e com dificuldade conseguiu dissuadir o amigo em dar-lhe a carona.

– Você é quem sabe, Angelini. Depois não diga que eu não te chamei – e virando para Hector, que já acomodava a família no Hilux – Barão da Bola, se eu não conhecesse bem sua esposa, juro que te chamava agora mesmo para ir ali comigo, para… hããã… con-conversar… hããã… sobre… você… você sabe… – gaguejava enquanto olhava matreiramente para Rosinha, que sacava qual era a entrelinha da conversa marota.

–Doutor Aníbal, você está cansado de saber que eu sou um maníaco sexual assumido – brincou Hector, encostando a Hilux na Pajero do amigo – Há mais de vinte anos que eu pego a mesma mulher todos os dias, hehehehehe…

Ainda se ouviu a tapa recebida por Hector em seu ombro devido ao gracejo. Rosinha intimamente adorava ouvi-lo fazer aquela graça e sabia o quanto tinha de verdade nela, mas não poderia permitir publicamente que seu esposo falasse nesses tons – principalmente na frente do filho. Por sua vez, conhecendo por osmose a velha piada sem graça, Artur nem prestou atenção, mais interessado estava em jogar paciência no celular de seu pai. A Hilux seguiu para a ponte, tomando a direção da Fazenda do Barão, onde o agrônomo Hector se estabelecera.

A Pajero do psiquiatra e psicólogo Aníbal subiu em direção da Praça Tiradentes, para se encontrar com as duas panteras do bistrô e de lá, seguirem para sua casa, fazer um tipo de festinha particular que a elite de Encruzilhada ficaria visivelmente chocada de ouvir e intimamente invejando em praticá-la.

Somente o arqueólogo e historiador Ângelo seguiu a pé pelo cais fluvial. Na sua boemia bem etilicamente particular, jogou a boina na cabeça e ainda ficou contemplando a lua por mais alguns minutos. Tinha no bolso uma garrafa pequena de vinho do Porto. E caminhando pela orla aos ziguezagues, ele observava aquela cidadezinha espremida entre um rio e dois morros. Como estava lá desde 2003, já percebeu que o vento trazia para seus ouvidos o silêncio que escondiam muitas máscaras, muitos teatros sociais e quase nenhum conteúdo moral. Pensou ele nos diversos fios dessa trama e não reprimiu um riso sardônico quando passou em frente à Boate Biskate, no final do cais. Dois vereadores saiam de tonta, carregados por duas prostitutas, em direção a algum beco mais escuro. Uma travesti, com roupas finas e maquiagem pesada, fumava debaixo da luz vermelha da entrada da boate. Outras prostitutas estavam no lado de fora, conversando com o policial militar a paisana. Estariam pagando alguma comissão pela segurança ou ele aproveitava a folga para se divertir um pouco? Ângelo pensou em entrar e pagar uma meretriz para se esquecer do mundo por duas horas. Bebeu mais um gole do vinho do porto e sentiu os pés se afofarem nos sapatos. Ainda viu os gêmeos Igor e Ivan dirigindo o jipe de seu falecido pai e chegarem à porta da boate com duas mulheres, entrando o quarteto no inferninho. Pelo visto, eles já haviam bebido tudo o que tinha de beber e estavam devolvendo as duas putas com quem tinham saído mais cedo. Será que eles chegarão antes que sua mãe Luísa voltasse da noitada com seu novo amante? Como Ângelo não era de fofocas e futricas, ele seguiu em frente, deixando para trás os galantes herdeiros de dívidas, respeitáveis políticos, nobres usurários do comércio e notórios latifundiários torrarem o dinheiro com aquelas messalinas sifilíticas. Parou um pouco e vomitou junto ao poste de luz o excesso de álcool que tinha ingerido na noite. E deixando para trás a poça azeda, observara que uma jovem enfermeira morena passava em passos rápidos para casa, como se tivesse pressa em não ser confundida com uma alguma hetaira de esquina. Ainda tonto e encostado na balaustrada do cais, Ângelo reconheceu a terna figura de Roxana Cruz dos Santos naquele vulto fugidio. Não teve tempo e nem estava em condições de acenar para ela. Numa outra ocasião, falaria com aquela sua amiga inteligente e esforçada. Olhou mais uma vez para o relógio e foi direto para casa na Rua Tomás de Torquemada. Afinal, mesmo morando em andares diferentes, aquela era a casa de seu avô, o velho e querido relojoeiro Salomão ben Mitrani, e não poderia chegar muito tarde e bêbado lá… 

Biblioteca do Bardo Celta (Leituras recomendadas)

  • Revista Iararana
  • Valenciando (antologia)
  • Valença: dos primódios a contemporaneidade (Edgard Oliveira)
  • A Sombra da Guerra (Augusto César Moutinho)
  • Coração na Boca (Rosângela Góes de Queiroz Figueiredo)
  • Pelo Amor... Pela Vida! (Mustafá Rosemberg de Souza)
  • Veredas do Amor (Ângelo Paraíso Martins)
  • Tinharé (Oscar Pinheiro)
  • Da Natureza e Limites do Poder Moderador (Conselheiro Zacarias de Gois e Vasconcelos)
  • Outras Moradas (Antologia)
  • Lunaris (Carlos Ribeiro)
  • Códigos do Silêncio (José Inácio V. de Melo)
  • Decifração de Abismos (José Inácio V. de Melo)
  • Microafetos (Wladimir Cazé)
  • Textorama (Patrick Brock)
  • Cantar de Mio Cid (Anônimo)
  • Fausto (Goëthe)
  • Sofrimentos do Jovem Werther (Goëthe)
  • Bhagavad Gita (Anônimo)
  • Mensagem (Fernando Pessoa)
  • Noite na Taverna/Macário (Álvares de Azevedo)
  • A Casa do Incesto (Anaïs Nin)
  • Delta de Vênus (Anaïs Nin)
  • Uma Espiã na Casa do Amor (Anaïs Nin)
  • Henry & June (Anaïs Nin)
  • Fire (Anaïs Nin)
  • Rubáiyát (Omar Khayyam)
  • 20.000 Léguas Submarinas (Jules Verne)
  • A Volta ao Mundo em 80 Dias (Jules Verne)
  • Manifesto Comunista (Marx & Engels)
  • Assim Falou Zaratustra (Nietzsche)
  • O Anticristo (Nietzsche)