Sua Majestade, O Bardo

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Valença, Bahia, Brazil
Escritor, autor do livro "Estrelas no Lago" (Salvador: Cia Valença Editorial, 2004) e coautor de "4 Ases e 1 Coringa" (Valença: Prisma, 2014). Graduado em Letras/Inglês pela UNEB Falando de mim em outra forma: "Aspetti, signorina, le diro con due parole chi son, Chi son, e che faccio, come vivo, vuole? Chi son? chi son? son un poeta. Che cosa faccio? scrivo. e come vivo? vivo."

sábado, 16 de novembro de 2013

Des-Amparo 2013: O Milagre da Divisao da Cidade

(Des) Amparo 2013: O Milagre da Divisão da Cidade

A festa em louvor a Nossa Senhora do Amparo, realizada em 2013 na cidade de Valença, entrou para história. Não pela sua tradicional alegria e clima de união que sempre a caracterizou. Entrou pelo motivo inverso – como a festa da discórdia e da desunião, gerada pela intransigência do pároco e da omissão da prefeitura. E o celeuma causado por essa polêmica pode causar a decadência de um dos maiores marcos identitários e culturais de Valença.
Quiseram forjar a celeuma em cima da (falta de) segurança causada pelas vendas de bebidas em barracas e da desorganização dos vendedores ambulantes para se justificar uma atitude equivocada. Ora, ninguém é imbecil de ser contra a segurança e organização dos ambulantes para que a Festa do Amparo brilhe. Quem ama essa cidade e luta para sua grandeza quer isso. O cerne da questão, no entanto, é outro – cousa que o Sr. Padre Josival Lemos pareceu se recusar a compreender e a prefeita não teve a devida sensibilidade para contemporizar.
Querendo ou não algumas correntes (retrógradas) da Sancta Madre Igreja Católica Apostólica, a festa do Amparo seguiu os rumos normais as grandes festas populares: deixou de ser uma mera missa solene para se tornar num patrimônio cultural e marco identitário para Valença. Surgida a mais de cem anos, animada e alimentada pelo povo valenciano (operários, marítimos e magarefes) e com tradições sedimentadas por décadas e décadas de história, a festa do Amparo ganhou uma grandeza que transcende a sua condição de mero “evento religioso” (como pretende os pretensos “verdadeiros” católicos). A festa é um momento ímpar de confraternização e orgulho para o cidadão valenciano. Para os valencianos que emigraram, esse pode ser o momento de visitar a cidade (e rever os amigos e parentes que cá ficaram). Quem não pode vim, alegra-se em ver as fotos pelas redes sociais. Para os católicos mais desgarrados, é o momento de ir para igreja. E por que não dizer, também é a melhor ocasião para que as pessoas mais humildes possam ganhar seu sustento, com o comércio que NATURALMENTE aflora em torno dos eventos religiosos. Êxtase religioso e alegria sincera caracterizam a festa, que é rica com suas tradições – como as barraquinhas com petiscos (maçã-do-amor, batata-frita, cachorro-quente, etc.) e com lembrancinhas. E isso não nenhuma “degeneração”! Pelo contrário, coisas similares aconteceram em Bom Jesus da Lapa, com a Festa do Bonfim em Salvador e com o “Ano Santo Xacobeo” em louvor ao apóstolo Santiago Maior na cidade galega de Compostella. E lá as pessoas souberam aproveitar essa co-existência de sagrado e profano não só para cimentar a identidade cultural da cidade como para auferir lucros com o turismo. (para mais informações, ver o texto no seguinte link: http://pelegrini.org/politica/24819)
Claro, para um evento dessa magnitude, é natural, imperioso até que se procure disciplinar e garantir sua segurança. È forçoso repetir que ninguém é favor da desordem dentro da festa, pelo contrário! Isso é um anseio de toda comunidade valenciana – até dos não católicos que respeitam e/ou também frequentam da festa. O motivo de tantas críticas está NA FORMA como isso foi gerido nesse de 2013. Infelizmente, em lugar de se tentar uma solução consensual e pactuada, o que ocorreu foi este festival de intransigência e soberba. A postura que o padre-secretário (através da comissão organizadora) teve foi muita diferente do que se espera de verdadeiro sacerdote de Jesus Cristo. Em lugar de respeitar as tradições centenárias da cultura popular e atuar como elemento de concórdia e harmonia, ele simplesmente quis sequestrar a festa e tratá-la como se fosse uma invenção pessoal dele.
Os dois argumentos centrais que justificavam a proposta “oficial” da igreja era como se TODAS AS BARRACAS que se estabelecidas durante a festa SÓ VENDESSEM BEBIDAS ALCOÓLICAS, o que provocavam o clima de insegurança e que elas atrapalhavam o tráfego. Sobre o segundo argumento, bastava que a igreja e a prefeitura organizassem áreas pré-determinadas e fiscalizassem. Quanto ao primeiro, há de considerar é uma meia verdade. A maioria das barracas que s estabelecem lá costuma vender petiscos e lanches. E para o caso das que vendessem bebidas, que se pactuasse a venda – ou limitando à bebidas em latas e criando um cinturão de lei seca. Em todo caso, se preservasse a tradição, afinal é a maçã-do-amor e não a bebida que caracteriza a festa do Amparo. Que se permitisse que as pessoas pudessem ganhar seu dinheiro honestamente, vendendo as bolas de plásticos para as crianças e lanches para os demais frequentadores. Que a festa continue a ter suas luzes e aromas para alegrar aquele que se sobe a colina para louvar Nossa Senhora. Isso que todos querem!
Só que não foi a postura do padre. Como se só tivesse lido o evangelho de Maquiavel e o breviário do Cardeal Mazarino no seminário, aproveitou-se da condição mundana de secretário para querer impor seus caprichos. E como discípulo de Goebbels, usou do altar para semear o pecado capital da ira contra seus críticos, acusando-o com a falácia de que só querem a bebida. Pobre padre… Tivesse aprendido melhor as lições de Lucas 18,9-14 e de João 4, 1-15; e lido com calma as críticas, veria que a maioria de seus críticos é de pessoas honradas, esclarecidas e devotas que não estavam satisfeitas com a radicalidade das medidas impostas. O que muitos queriam é uma festa viva, com a alegria de louvar Nossa Senhora e depois comer sossegadamente sua maçã do amor, como sempre se fez! O que muitos advogados, professores, engenheiros, intelectuais (que criticaram as decisões do Sr. Josival Lemos) desejavam é uma festa popular, não uma missa segregacionista para poucos fundamentalistas! Lamenta-se que num altar de onde os padres Lino Trezzi e Edegar Silva proferiram tantas perolas de sabedorias em suas homilias degenerou-se no palco de pregação de um Jihad inclemente contra as pessoas… que apenas queriam o bem da festa, mas discordaram do que se considerou um equívoco do padre! Se não houve humildade e bom senso por parte do Altar, que a Prefeitura, no momento que foi acionada, tivesse o equilíbrio laico de preservar as nossas tradições. Infelizmente, na minha humilde opinião, pouco contemporizou para chancelar (na prática) os descalabros do padre. Antes, quase lembrou a postura de um certo procurador romano na Judéia, quando teve que escolher entre libertar um inocente e Barrabás…
O resultado foi uma festa fraca, triste e uma cidade dividida. Muitas pessoas que costumavam ir às novenas e na festa se sentiram desmotivadas a comparecer (eu mesmo não me senti desanimado a participar da festa e minha tristeza maior foi minha mãe depois que o melhor era eu não ter ido para lá, pois teria passado raiva). E pelos comentários nas redes sociais, a festa estava longe de ter o brilho dos outros anos. Já não era mais a festa que reunia a cidade. Já não era mais a festa onde se pregava a harmonia e união pela fé. Já não era mais a festa de todo o povo valenciano. Já não havia mais o clima de acolhimento para qualquer pessoa que quisesse comungar. Era uma missa elitizada para os auto-proclamados “verdadeiros católicos”, muito diferente que se via nos outros anos. Talvez, por ter se tornado uma festa vazia, houve a alegada “tranqüilidade” – afinal, não havia realmente um povo lá, apenas a “turma” que concordava com o pároco. E pela primeira vez, a festa do Amparo se tornou motivo de discórdia e divisão na cidade. E mais, não estranharei que se continuar assim, a igreja venha perder fiéis, insatisfeitos com atitudes extremadas e fundamentalistas de um sacerdote(?) que deveria pregar a harmonia e a união. E pergunto: é isso que quer Santa Madre Igreja Católica quer?
Pois bem, a festa do Amparo de 2013 acabou (não obstante a polêmica continue, com mais pessoas criticando a festa do que elogiando). Rogo que Nossa Senhora do Amparo ilumine a próxima comissão organizadora e que o padre tenha a humildade de refletir sobre as críticas feitas (embora eu não acredite muito quanto a esse último ponto…) para que na próxima festa se chegue a um consenso em que se garanta não só a tradição e a beleza da festa como a segurança e a organização da festa. Espero que a prefeita ouça mais o povo e menos o seu secretário de educação (que deveria ler o Sermão da Sexagésima), para que se garanta uma festa popular e que continue sendo um motivo de orgulho e união da cidade. Caso contrário, persistindo a intransigência e o capricho de um padre (que segundo as hodiernas práticas, não costumam se eternizar em uma paróquia), corremos o sério risco de que a festa do Amparo  perca seu caráter de festa que una os corações valencianos para ser uma lembrança do passado, uma missa morta e invisível.

Ricardo Vidal
Escritor e Professor valenciano de nascimento e que ama apaixonadamente essa terra, 
Especialista em Estudos Lingüísticos e Literários pela UFBA.

Valença, 16 de novembro de 2013

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