Visitando o blog da escritora Renata Belmonte, "Vestígios da Senhorita B." (http://vestigiosdasenhoritab.blogspot.com/), eu encontrei um interessante e instigante post sobre o conflito de direitos.
No dia dos Direitos Autorais, ela leu uma matéria sobre a polêmica criada pela acima. Uma artista plástica, percebendo que as "celebridades" como Paris Hilton e os ex-BBBs muitas vezes ganhavam destaque na mídia do que dramas humanos como o que se passa em Darfur, Somália (um país hoje que está sem um Estado constituído, entregue aos senhores da guerra) e no Saara Ocidental (outro vácuo na geografia política, em que o povo desta antiga colônia espanhola tenta organizar seu estado independente a despeito da ocupação ilegal do Marrocos); criou este desenho em que um africano pobre "posa" com uma bolsa de grife famosa (Louis Vitton) e um cachorrinho de madame para ver se tornar visível seu drama para a mídia mundial. É uma iniciativa humanirária, sendo que a venda das camisas e o pôsteres com a estampa acima serão doadas para campanha "Dives for Darfur". Naturalmente a griffe em que questão não gostou de ver o desenho de sua bolsa sendo usada sem sua permissão e cobrou os direitos autorais.... Paralelamente a isso, Renata alude à sua monografia sobre o direito a intimidade nos tempos modernos com a superexposição do caso Nardoni. Diante disso ela joga aos seus leitores a discussão do tema, sobre a colisão de direitos.
Realmente, o desafio que Renata Belmonte lançou no seu blog me interessou por envolver algumas de meus princípios e minha antiga e quase formação em jornalismo. Como escritor de formação humanística, defendo que a liberdade de expressão e informação é essencial para construção de uma sociedade democrática e solidária. E para tanto, o direito autoral é uma das garantias desta liberdade, pois permite que o artista não só possa ser reconhecido como criador de uma obra intelectual como permite que ele ganhe dinheiro com sua criação e seja estimulado a criar mais. Aliás, como escritor, eu sou o primeiro que gotaria de ganhar uns cobres com meus escritos para que possa ter condição de escrever mais.... É importante, no entanto, este direito deve ser visto dentro do contexto que de a proteção da criação intelectual esteja a serviço da coletividade.
Contudo, se o interesse público precisar ultrapassar o direito autoral de um artista, como no caso da Querela da Bolsa Vitton? Renata Belmonte lembra que a pessoa que criou esta imagem do "Simple Living" poderia ter feito uma caricatura ou pastiche do desenho da bolsa, em lugar de representar uma estampa real da grife. Concordo com a posição dela. E também defendo que o designer de moda tenha que receber dinheiro e ter direitos de veiculação de seu trabalho. Porém, fico pensando se, no fundo, isso teria o mesmo efeito. Será que mostrando uma bolsa com o desenho de Vitton contrastando com uma criança africana, desnutrida e desamparada não causa maior impacto e não deixaria pelo menos a semente da dúvida de que a solução de algumas das calamidades do mundo é mais importante na mídia do que a (falta de) calcinha de Paris Hilton ou a festa de uma BBB do momento? Creio que neste ponto o interesse humanitário deveria falar mais alto. Que fique o direito moral de se saber que a bolsa é criação de Louis Vitton (ou Pierre Cardin ou a grife que for), mas o direito econômico deve sim servir para minorar o sofrimento das pessoas em Darfur. Para ser sincero, se um poema ou artigo meu puder ajudar a melhorar o mundo, combater uma injustiça ou promover uma causa humanitária, abriria mão dos direitos econômicos com alegria e batalharia para que estas causas sejam sempre presentes na mídia, nas suas mais diferentes formas. Liberdade de Expressão e Informação (neste caso) sempre!
Só que, ao defender a Liberdade de Expressão e Informação, lembro que ela deva ser feita com responsabilidade e visando o interesse público, se não cairemos em um lado fascista da Comunicação que exatamente se opõe a este interesse. Cremilda Medina, teórica do jornalismo, tem um livro clássico da responsabilidade social da profissão do jornalismo. Todos os cidadãos têm o direito a informação. Isso é interesse publico! Contudo, a atual cobertura do caso Nardoni mostra os excessos que deveríamos evitar no direito à expressão. Apesar de alguns cuidados, infelizmente, vemos repetir o mesmo caso da Escola-Base. O interesse comercial está levando a uma superexposição dos suspeitos que, se por um lado cansa as pessoas de bom senso, por outro fere o direito a intimidade das pessoas. Além de corrermos o risco de a comoção que a cobertura midiática do caso venha a interferir negativamente na investigação e no julgamento. Onde deveria haver justiça, corremos o risco de ver um típico espetáculo de circo romano, em que as pessoas são soltas a feras para que a turba veja o sangue correr (e quantos cristãos foram martirizados assim?).
Em resumo, na minha opinião de leigo na Ciência das Leis, numa situação de colisão de direito, o que deve imperar é o interesse público e humanitário. É importante que o direito a informação e expressão (e nós escritores somos um dos principais beneficiários dela) - mas que ela não ultrapasse o direito à intimidade a ponto de causar graves problemas à pessoa humana. O Direito Autoral e as patentes devem ser consideradas sagradas. Contudo, se a quebra de patente de um remédio ou a utilização de obra de arte puder salvar uma vida humana, pois que salvemos esta vida. Quebremos todas patentes necessárias sem dó e que os artistas (inclusive nós escritores) e intelectuais não nos esqueçamos que nosso trabalho serve, ante de tudo, ao bem da humanidade.
No mais, fica renovado o meu convite para que as pessoas visitem o belíssimo blog de Renata Belmonte, Vestígio da Senhora B. A leitura dele é enriquecedora!
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