Mulheres sem Vergonha… de escrever sobre sexo.
Neste final de ano de 2007, a escritora Raquel Pacheco lançou o seu terceiro livro, “Na Cama com Bruna Surfistinha”, pela editora Panda Books. O tema da central da obra é… sexo. Ou seja, as memórias e experiências como a ex-garota de programa Bruna Surfistinha (fenômeno na internet por conta do seu blog, em que comentava sua atividade profissional). Com este livro, Raquel Pacheco consolida uma tendência deste início de milênio em que mulheres escrevendo textos eróticos sem preconceitos ou falsos pudores. Tendência essa já observada por Carlos Freire, no artigo “O sexo é delas”, no caderno de cultura do jornal galego “Faro de Vigo” em outubro deste ano.
Ainda em 2007, a também ex-garota de programa Vanessa de Oliveira lançou seu segundo livro, “100 segredos de uma garota de programa” e Belle (pseudônimo) lançou “Swing – a vida real de uma praticante de troca de casais”, em que ela descreve os bastidores do mundo do swing e sexo grupal junto com seu marido. Ambos os livros foram editados pela editora Matrix.
Desde 2001, com o lançamento do polêmico “A Vida Sexual de Catherine M.”, em que a crítica francesa de arte, Catherine Millet, falou abertamente sobre suas aventuras sexuais; as mulheres estão escrevendo livros em que falam sexo. Mas com uma nova abordagem sobre o sexo: Sem o proselitismo de quem está defendendo uma vida sexual liberada, sem o sentimento de culpa de quem fez algo condenável, nem com certa idealização romântica normalmente atribuída às mulheres de que o sexo deve está preso ao amor. Pelo contrário, o que se ver é uma literatura erótica em que as mulheres confessam normalmente que sente desejo e que nas relações são os homens quem tem a função de objectos sexuais.
Dentro deste filão se destaca as memórias e diários de ex-garotas de programas. Raquel Pacheco – apelidada de “Paulo Coelho do sexo”– havia lançado “O Doce Veneno do Escorpião” e “O que aprendi com Bruna Surfistinha”, em que contava não só sobre os motivos que levou à prostituição, como foi sua vida neste período e como foram os primeiros momentos de fama. Vanessa de Oliveira estreou com “Diário de Marise”, também sobre sua vida como garota de programa. Mas este fenômeno não é restrito ao Brasil. Na Europa também foram lançados livros similares. A espanhola Alejandra Duque lançou em 2006 “A Agenda de Virgínia” pela Editora Planeta (a mesma que edita Paulo Coelho no mercado hispânico), sobre a prostituição de luxo em Barcelona e a portuguesa Carla de Almeida romanceou a vida da prostituta Diana em “300 Clientes Habituais”.
Mas não só de prosa memorialística vive este segmento. Também na ficção as mulheres estão escrevendo literatura erótica com desenvoltura antes atribuída aos homens. A dramaturga Ana Ferreira estreou em no romance com o livro “Amadora” (Geração Editorial/2001), em que a personagem central vive diversas aventuras sexuais, incluindo orgias, lesbianismo e incesto. Já a roqueira Syang lançou seu livro de contos “No Cio”. Na poesia, dentre tantos exemplos, destaca-se a catarinense Angela Bretas, em cujo site www.angelabretas.com (indicado pela UNESCO como um dos melhores sites de literatura) pode se encontra na página “verso e prosa” a sessão “Românticas Eróticas”. Estes exemplos respondem à pergunta da jornalista Ruth de Aquino, cujo artigo “Agora é moda ser pornô” na edição de janeiro de 2002 da revista Playboy, que comentava a recente produção erótica feminina francesa e perguntava se esta tendência chegaria ao Brasil.
PASSADO DIFERENTE: Se no início do 03º Milênio as mulheres estão livres para escrevem com liberdade sobre seus desejos e taras sem que isso cause constrangimento, até o século passado a história era diferente. No século XX – século marcado pelo feminismo – poucas foram as mulheres que se notabilizaram por este gênero literário. A escritora franco-americana Anaïs Nin, no prefácio de seu livro de contos eróticos “Delta de Vênus” já percebia que “os mistérios da sensualidade da mulher, tão diferente da sensualidade do homem” ainda não for devidamente retratado na literatura, uma vez que “a linguagem do homem era inadequada”. Curiosamente ou não, Anaïs Nin se firmará na literatura pelo erotismo, quer nas obras de ficção, como o romance “Uma espiã na casa do amor”, quer nos seus diários, em especial, “Henry e June”, que descreve seu caso amoroso com o escritor americano Henry Miller e a esposa dele. Ainda no século XX, destacam-se as escritoras brasileiras Hilda Hist e Cassandra Rios e a francesa Anne Desclos, que sob o pseudônimo de Pauline Reage, lançou “A História de O” – um romance erótico cujo tema é o sadomasoquismo, na tradição do “Justine” e “120 dias de Sodoma”, do Marquês de Sade.
Já do século XIX para trás, a voz feminina da literatura erótica encontra-se muda. Com a exceção de Safo e Margarida de Navarra, o que existe é o império masculino. Mesmo num romance de autoria anônima como “Teresa Filósofa”, se percebe o dedo masculino. Embora a personagem título do romance seja uma mulher camponesa que, em pleno final do século XVIII vai vivendo aventuras sexuais na alcova ao mesmo tempo em que aprendia a filosofia dos iluministas, a posição que ela aceita de ser uma mera amante de um rico e jovem nobre, renunciando inclusive a maternidade, para manter a ordem social até então vigente.
Depois de quase três mil anos de império masculino na literatura erótica, agora chegou a vez destas mulheres sem vergonha… que escrevem com naturalidade sobre seus desejos, taras, amores e sonhos; sem a menor culpa, sem medo e (principalmente), sem preconceito.
Bibliografia
NIN, Anaïs. Delta de Vênus. Histórias eróticas. Tradução de Lúcia Brito. Porto Alegre: L&PM, 2006. (Coleção L&PM pocket).
_________. Uma espião na casa do amor. Tradução de Reynaldo Gauarany. Porto Alegre, RS: L&PM, 2007. (Coleção L&PM pocket).
_________. Henry & June. Diários não-expurgados de Anaïs Ninn (1931-1932). Tradução de Rosane Pinho. Porto Alegre, RS: L&PM, 2007. (Coleção L&PM pocket).
_________. Fire, from “a journal of love”. The previously unpublished unexpurgated diary (1933-193). Prefácio de Rupert Pole a notas biográficas e Anotações de Gunther Stuhlman. Nova York: Harcourt Brace & Company, 1995
ANÔNIMO do século XVIII. Teresa filósofa. Prefácio de Renato Janine Ribeiro e tradução de Maria Carlota Carvalho Gomes. Porto Alegre: L&PM, 1997. (Coleção L&PM pocket).
SURFISTINHA, Bruna (Raquel Pacheco). O doce veneno do escorpião. O diário de uma garota de programa. São apulo: Panda Books, 2005.
PACHECO, Raquel. O que aprendi com Bruna Surfistinha. Lições de uma vida nada fácil. São Paulo: Panda Books, 2006.
OLIVEIRA, Vanessa de. O diário de Marise. A vida real de uma garota de programa. São Paulo: Matrix, 2005.
_________. 100 segredos de uma garota de programa. Tudo o que você queria saber sobre homens, sexo e a profissão. São Paulo: Matrix, 2007.
Belle. Swing. A vida real de uma praticante de troca de casais. São Paulo: Matrix, 2007.
DUQUE, Alejandra. A agenda de Virgínia. Uma prostituta de luxo revela sua vida dupla. Tradução de Magda Lopes. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2006.
ALMEIDA, Carla de. 300 clientes habituais. São Paulo: Landscape, 2007.
MILLET, Catherine. A vida sexual de Catherine M. tradução de Cláudia Fares. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.
FERREIRA, Ana. Amadora. São Paulo: Geração Editorial, 2001.
SYANG. No cio. São Paulo: Clio, 2003.
AQUINO, Ruth de. Agora é moda ser pornô. Playboy. São Paulo: Abril, ano 27, nº 11, edição nº318, jan. 2002. 2007. p. 105.
FREIRE, Carlos. O sexo é delas: nova narrativa erótica feminina. Faro de Vigo. Caderno Faro da Cultura. Vigo (Pontevedra/Galiza/Espanha), 04 out. 2007. p. 01.
Publicado no jornal "Valença Agora" em janeiro de 2007 (http://www.valencaagora.com/x/b/bs.php?bl=1&menu=653)
Salvador, 21 de dezembro de 2007.
Ricardo Vidal, 29 anos, escritor. Autor do livro “Estrelas no Lago”. Participou de várias antologias e foi menção honrosa nos concursos de poesia da revista Iararana (2002) e da ALER (2005 & 2007). Fundador e ex-diretor da UMES-Valença (1994-1996). Estuda Letras/Inglês na UNEB-Salvador. Blog: www.bardocelta.blogspot.com. E-mail: cve_livros@hotmail.com
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