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Valença, Bahia, Brazil
Escritor, autor do livro "Estrelas no Lago" (Salvador: Cia Valença Editorial, 2004) e coautor de "4 Ases e 1 Coringa" (Valença: Prisma, 2014). Graduado em Letras/Inglês pela UNEB Falando de mim em outra forma: "Aspetti, signorina, le diro con due parole chi son, Chi son, e che faccio, come vivo, vuole? Chi son? chi son? son un poeta. Che cosa faccio? scrivo. e come vivo? vivo."

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Contos Zero Zero de Patrick Brock

Contos Zero Zero de Patrick Brock
(Uma resenha do livro “Textorama”)

“TEXTORAMA”. Escrito por Patrick Brock. Arte e projeto gráfico de Delfin. São Paulo: Edições K, 2004. 110 págs. Disponível nas livrarias “Berinjela” e “LDM” (Salvador/Bahia). R$ 10,00

Qual é a cara da novíssima literatura jovem baiana, pós-ano 2000? Nelson de Oliveira, no seu artigo “Geração Zero Zero”, aponta duas tendências desta geração que se esboça: 01º) Autores cujos primeiros textos foram publicados e distribuídos pela internet, através de blogs, e-zines e mail-lists; 02º) Os textos – marcadamente urbanos – procuram o bizarro, o perverso, o escabroso da condição humana; a vitória de Thanatos (segundo Freud, o instinto destruidor do ser humano) sobre um Eros (o instinto de preservação da vida do ser humano) transformado em sexo violento, as provas de que o existencialismo sartreano vive mesclado com a estética cyberpunk nas megalópoles bladerunneianas. E os contos de Patrick Brock, no livro “Textorama”, são o melhor exemplo desta tendência.

Editado em formato de bolso, “Textorama” reúne nas suas 110 páginas 15 textos, distribuídos em duas sessões de contos e uma novela. Em comum, temos uma linguagem visceral, violenta e erótica e textos em que a realidade crua, realismo fantástico e surrealismo distópico são temperados com referências a cultura beat, caos urbano, a mais fina ironia e os filmes de ação. A linguagem, sem os floreios parnasianos, é direta e ágil como um post de um blog. Para quem está acostumado a uma linguagem adocicada (como as dos textos de auto-ajuda e os pseudo-poemas da Jovem Guarda), Patrick Brock pode surgir como uma anti-poesia de sabor ácido e amargo. Contudo, é o inverso que se opera: nos textos surgem uma poesia saborosa, com imagens vertiginosas e atraente, condizente com realidade descrita. Se a mesma é longe de ser um vale de flores banhado por mar de rosa, aí são outros 500… O cenário urbano ao mesmo tempo realista e fantástico, como que retirado das notícias de jornais. Os crimes do conto “Boxeador” podem parecer hediondos e inimagináveis pela crueza até o momento que algum telejornal anuncia uma chacina nas periferias do Rio de Janeiro e São Paulo. Onde está o limite entre realidade e fantasia? Quanto aos temas, sexo e violência basicamente, eles são uma presença constante, o que não seria diferente se observamos o cenário midiático contemporâneo. Mas o cenário urbano distópico, o sexo e a violência não aparecem de forma gratuita nos contos de Patrick Brock. Eles servem como pano de fundo para a reflexão sobre a realidade em vivemos. É fácil ficarmos chocados com o latrocínio e os estupros praticados pelo protagonista do conto “Boxeador”, porém, quantas pessoas perceberam a violência social que ele sofria diariamente? Quantas vezes as classes alta e média foram violentas, ostentando seu poder de consumo a uma maioria que vive nas favelas e cuja juventude não possui muitas escolhas para sair desta situação? Neste ponto Patrick Brock mostra sua maestria na escrita, ao nos apresentar esta realidade com doces sabores de ironia. Mas como isso aparece no livro?

Na primeira sessão, “Confessus”, encontramos contos curtos que são verdadeiros instantâneos fotográficos, flagrantes de momentos: em “Snap”, quatro linhas descrevem o momento de disparo de um tiro fatal; em “Kerouac à vinagrete”, um recém-desempregado inicia sua aventura ao velho estilo “On the road”; em “Cool Jazz”, um encontro sexual em algum boteco perdido na periferia. A cidade descrita no conto “Urbi et Orbi” aparece como chave para o universo brockiano: A cidade é um organismo vivo com “corações-terminais gigantes” e “avenidas cancerígenas” a produzir poluição e caos. Assim, longe de ser um cenário para idílios e utopias, esta cidade mostrar sua cara como a latrina divina onde Deus evacua seus excrementos – como sugere as últimas palavras do texto. Nestes contos, Patrick Brock mostra uma estranha poesia existente nesta vida contemporânea e absurda. Já a segunda sessão, “Cornucópia”, as narrativas são mais longas, em que o sexo e a violência dão mais ênfase a uma crítica social. Além do já citado “Boxeador”, encontramos contos como “Macho” – retrato irônico da emasculação do homem moderno pelas mulheres, invertendo a lógica do “sexo frágil”; “Raccontos” – duas narrativas editadas no formato e-mail; “Autobahn”, em que a velocidade do carro é o afrodisíaco especial que nem o acidente tira o encanto. Aliás, neste conto em particular, a jovem motorista revela o niilismo de uma parcela da atual geração – mesmo que isso termine num acidente com sangue, o que importa a velocidade e, principalmente, o prazer? Sem um ponto de partida e outras motivações, a moça corre no seu carro e seus dedos podem lhe proporcionar o orgasmo que queria. Para onde? Para qual objetivo? Ficam as perguntas para que leitor tire suas conclusões. A terceira e última sessão é uma novela em sete capítulos chamada “A Pira de Al Nitte Lang”. Neste egotrip de sexo e drogas, a personagem principal é um soteropolitano de classe média que segue uma espiral auto-destrutiva similar à vivida pelo ator Edward Norton no filme “Clube da Luta”, de David Fincher. Aqui, o realismo quase neo-naturalista das descrições vai num crescendo que desemboca surpreendentemente no mais completo surrealismo. As ilustrações oitocentistas retiradas dos livros do Marquês de Sade complementam e dialogam magistralmente com a vida de Al Nitte Lang. É o recado do Patrick Brock, de que a violência moderna seja talvez mais sádica e sexualmente perversa do que podemos imaginar. Apenas, é mais sutil.

Quem é o autor deste livro? Patrick Brock, 29 anos, é jornalista formado pela UFBA e atualmente reside em Nova Iorque, onde trabalha como editor de traduções do Wall Street Journal e é colunista do Caderno DEZ! do jornal A Tarde. Mantém o blog “Palavras Cruzadas” (http://www.palavrascruzadas.blogspot.com/). Ainda na Faculdade de Comunicação da UFBA – quando foi colega dos escritores Wladimir Cazé, José Inácio Vieira de Melo e do autor deste aritgo – Brock deu os priemiros passos na literatura através do e-zine “Ogden Zine”. Mias tarde, foi o editor do “K-zine”, e-zine da editora “Edições K”, onde publicou os livros de “Velhas Fezes” e “Textorama”, ambos em 2004.

Com este livro, Patrick brock revela que produz uma literatura séria de boa qualidade. È uma literatura vibrante e plugadas nas tendências mais avançadas da cena literária atual, desta geração Zero Zero. É leitura obrigatória para quem quiser saber o que tem de melhor e mais atual dentre os bons escritores jovens, que chegam para marcar sua presença com texto que são “uma explosão seca de metal incandescente”.

Bibliografia
BROCK, Patrick. “Textorama”. São Paulo: Edições K, 2004.
OLIVEIRA, Nelson de. “Geração Zero Zero” in IARARANA. Salvador: nº 10, p. 74-76, dezembro 2004
GOTLIB, Nádia Batteli. “Teoria do Conto”. 10ª ed. São Paulo: Ática, 2004. (série Princípios)
LEITE, Lígia Chiappini Moraes. “O Foco Narrativo”. 10ª ed. São Paulo: Ática, 2006. (série Princípios)

Ricardo Vidal, 29 anos, escritor. Autor do livro “Estrelas no Lago”. Participou de várias antologias e foi menção honrosa nos concursos de poesia da revista Iararana (2002) e da ALER (2005 e 2007). Fundador e ex-diretor da UMES-Valença (1994-1996). Estuda Letras/Inglês na UNEB-Salvador. Weblog: www.bardocelta.blogspot.com, E-mail: cve_livros@hotmail.com

Publicado no Jornal Valença Agora: http://www.valencaagora.com/x/b/bs.php?bl=1&menu=832

Um comentário:

Anônimo disse...

Ficou massa a resenha, Ricardo. Valeu a força. Sucesso com os versos.

abraço,
Patrick

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