O lado recôncavo de Valença
Ricardo Vidal, 29 anos, escritor. Autor do livro “Estrelas no Lago”. Participou de várias antologias e foi menção honrosa nos concursos de poesia da revista Iararana (2002) e da ALER (2005). Fundador e ex-diretor da UMES-Valença (1994-1996). Estuda Letras/Inglês na UNEB-Salvador. Weblog: www.bardocelta.blogspot.com
E-mail: cve_livros@hotmail.com
Na convenção municipal dos Democratas (ex-PFL), realizada em Valença no dia 19 de outubro de 2007, o deputado estadual Heraldo Rocha fez a infeliz declaração de que Valença não receberia um campus da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), pois nossa cidade não faria parte desta região… Considerando que ele se arroga em dizer que nos representa na Assembléia Legislativa, esta declaração mostra o quanto desconhece sobre nossa história e nosso povo. O nosso município de Valença tem a singularidade de ser a síntese do litoral do Estado da Bahia, por ter tanto características da Região Cacaueira como (principalmente) do Recôncavo baiano. E os fatos estão aí para comprovar que Valença é o Cacaueiro do Recôncavo.
Nossa vocação de ser o limite entre as zonas de influência de Salvador e Ilhéus é patente desde o período colonial. Embora as terras valencianas FORMALMENTE pertencentes à Capitania dos Ilhéus (constituindo-se no limite norte da mesma), a verdade histórica mostra que desde aquela época está ligada ao Recôncavo. O professor Waldir Freitas, no seu livro “A Industrial Cidade de Valença: um surto de industrialização na Bahia do século XIX” afirma, inclusive, que Valença, estando “perfeitamente integrada à vida econômica do Recôncavo”, caracterizava-se como “simples extensão da área diretamente controlada pelos Governos com sede em Salvador”. Cairu, Valença, Taperoá, Boipeba, todas essas terras neste período se desenvolveram como centros de abastecimento, fornecendo madeira e farinha mandioca pro Recôncavo. Também pelo seu valor estratégico, nossa região integrou o perímetro de defesa de Salvador, em que o Forte do Morro de São Paulo constituía o baluarte sul do sistema de apoio do Recôncavo (juntamente com os fortes de Santa Cruz do Paraguaçu e de São Lourenço na ilha de Itaparica) à defesa da capital.
No Dois de Julho (data por excelência do Recôncavo), a então vila emancipada de Nova Valença enviou o Reverendo Theodózio Dias de Castro como seu representante do junto ao Conselho Interino – com sede em Cachoeira – que lutava pela independência da Bahia. É de se notar que, enquanto nas outras vilas e cidade da Bahia fora do Recôncavo só havia notícias das lutas, Valença participou ativamente na independência, não só com homens e mantimentos como também foi no nosso litoral (no canal de Tinharé, entre Valença e Cairu) viu o nascimento da primeira esquadra da Matinha de Guerra Brasileira, quando os navios de Lord Cochrane, chegados do Rio de Janeiro, se encontrou com a heróica Flotilha Itaparicana do tenente João das Botas, conforme lembra o professor Edgard Oliveira no seu livro “Valença: dos primórdios à contemporaneidade”.
Nossa ligação com o Recôncavo continuou quando Valença participou da industrialização da região, com a vinda das fábricas de tecidos (primeira com a Todos os Santos, hoje em ruínas, e depois com a Nossa Senhora do Amparo, atual CVI). No caso da Cia. Valença Industrial, a ligação com Salvador (e por tabela, com o Recôncavo) era tão forte que seu iate, a “Industrial” fazia linha com o porto de Salvador (e não com o porto de Ilhéus) e por lá comprava algodão e vendia o tecido. Também foi no bairro soteropolitano do Comércio, na esquina da Rua da Grécia com Avenida Estados Unidos que a CVI manteve seu escritório por anos.
E ainda hoje, Valença se liga ao Recôncavo no plano cultural, seja na produção dos saveiros e escunas – embarcações típicas da Bahia de Todos os Santos, seja através dos nossos escritores, que participam da Academia de Letras do Recôncavo (ALER). Como lembra o presidente da ALER, Sr. Almir de Oliveira, já na fundação da entidade se havia a preocupação de integrar Valença e Taperoá (cidade que apenas geograficamente eram consideradas Baixo Sul Baiano) dentro dos limites de atuação da academia. E esta intenção se materializou com a eleição de seis valencianos para o quadro da Academia (Ivamar Batista, Macária Andrade, Mustafá Rosemberg, Rosângela Góes, Alfredo Neto e Araken Vaz Galvão), na participação do Prof. Dr. Dário Loureiro como membro benfeitor da entidade e na existência de uma sub-sede da ALER no campus da FACE na cidade.
Bem, pelo o que agora foi exposto, parece que Valença não teria ligações com a região Cacaueira. Nossa cidade é o limite sul das Terras do Cacau. Por conta disso que Valença conta com um escritório da CEPLAC e uma unidade da EMARC. Da mesma forma, até 1883, Valença integrou a jurisdição da Comarca de Ilhéus, mantendo assim coesa por 349 a unidade administrativa da antiga capitania. No ponto de vista agrícola, nossa ligação maior é com Ilhéus. Mas no ponto vista cultural, histórico e prático, nós de Valença somos Recôncavo.
Valença foi agraciada pelo destino de ser o limite destas duas importantes regiões do Litoral Baiano – cuja divisa simbólica pode ser localizada nas margens do nosso Rio Una. Sendo assim, seria natural que nossa cidade mereça ganhar um campus da UFRB, por possuí todas as condições históricas e culturais. E a vinda desta universidade é de máxima importância para o desenvolvimento (principalmente econômico) da nossa cidade, que possui tudo para ser uma perfeita cidade universitária. Esta luta é de todos nós e cabe ao governo municipal saia de sua inércia e encampe sua OBRIGAÇÃO de providenciar a instalação do campus da UFRB, respondendo um anseio geral de todos nós que amamos nossa cidade. Mesmo que o seu desinformado deputado, putativo representante da Valença, diga o contrário…
Bibliografia
OLIVEIRA, Edgar Otacílio da Silva. “Valença: dos primórdios à contemporaneidade”. Salvador: Secretaria de Cultura e Turismo, 2006. (Coleção Cidades da Bahia)
OLIVEIRA, Waldir Freitas. “A industrial cidade de Valença”. Um surto de industrialização na Bahia do século XIX. Salvador: Centro de Estudos Baianos da Universidade Federal da Bahia, 1985.
OLVEIRA, Almir de. Academia de Letras do Recôncavo: Apontamentos para a história. Revista da Academia de Letras do Recôncavo. Santo Antonio de Jesus: Academia de Letras do Recôncavo, Nº 01, 2005. p. 13-16.
DEMOCRATAS em convenção. Valença Agora. Valença, 25-out. a 01-nov. 2007. p. 05.
Valença, 27 de outubro de 2007.
Publicado no Jornal Valença Agora, edição nº 131
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